Prisioneiros palestinos resistem com greve de fome à tática israelense de estender detenções

Bilal Kayed alcança as “preocupações” internacionais. Membro da Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP), ele completa, nesta terça-feira (23 de agosto), o 70º dia da sua greve de fome. Kayed esteve preso por 14 anos e meio, mas, ao concluir sua pena, foi posto sob “detenção administrativa” pelas autoridades israelenses. Mais de 100 prisioneiros fazem greve de fome, em solidariedade ao seu protesto e em demonstração de unidade. Leia a carta aberta que Kayed dirigiu ao povo palestino e a todos os povos solidários.

Por Moara Crivelente*

Graffiti com o nome de Bilal Kayed. Foto: Samidoun

Um comunicado da FPLP publicado no início de agosto denunciava o serviço prisional israelense em sua tentativa de transferir Kayed para a “detenção administrativa” – o que poderá abrir um precedente contra o restante dos prisioneiros prestes a cumprir suas sentenças. A modalidade, prevista nas regulamentações da ocupação militar israelense da Palestina, permite a detenção de “suspeitos” sem acusação formal ou julgamento, por períodos renováveis de seis meses.

“Esta nova batalha é reminiscente das batalhas heroicas antes travadas pelo movimento dos prisioneiros contra a ocupação, através das quais alcançamos várias conquistas importantes,” diz o comunicado, assinado pela liderança da FPLP nas prisões.

Neste sábado (20), Robert Piper, o coordenador da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Assistência Humanitária e a Ajuda ao Desenvolvimento no território palestino ocupado, disse estar “profundamente preocupado com a saúde deteriorada de Bilal Kayed”, em um comunicado sobre a contínua prática israelense da detenção administrativa. Piper lembrou que o número de palestinos assim detidos é um recorde dos últimos oito anos e reafirmou a oposição da ONU à prática.

A batalha dos prisioneiros da FPLP – frente que é especialmente visada por Israel devido à sua resistência, inclusive armada, contra a ocupação – envolve militantes e líderes históricos, como Ahmad Sa’adat, que está preso desde 2002. Grande parte dos membros da frente encarcerados é acusada tanto pela militância no partido quanto por seus papéis na revolta palestina contra a ocupação israelense que eclodiu em 2000, a Segunda Intifada.

Mas a prisão é o destino reservado pela ocupação à resistência de qualquer um ou uma, independentemente do seu partido ou método. De acordo com a associação Addameer, que presta apoio aos prisioneiros, Israel mantém atualmente sete mil palestinos e palestinas em seus cárceres – 750 estão sob “detenção administrativa” e 350 são crianças.

Kayed, que foi preso em 14 de dezembro de 2001 por participar na resistência armada da FPLP, deveria ter sido liberado em 3 de junho de 2016, mas foi então informado de que seria mantido sob “detenção administrativa”. As alegações, supostamente baseadas em “evidências secretas”, são as corriqueiras: ele seria uma “ameaça securitária” e dedicou-se a “atividades não autorizadas” – na prisão. Kayed está algemado a uma cama de hospital devido à gravidade da sua saúde, enfrentando o risco de morte no prolongamento da sua detenção, no seu protesto contra a arbitrariedade, em greve de fome. Mais recentemente, as autoridades israelenses negaram acesso a médicos independentes que avaliariam o seu estado de saúde.

De acordo com a Addameer, na audiência desta segunda-feira (22 de agosto), “o tribunal não investigou a credibilidade das informações secretas entregues pela polícia e as discussões sobre a natureza dessas informações secretas aconteceram em uma audiência fechada (onde apenas o serviço de inteligência, shabak, o juiz e os advogados de acusação puderam participar).” A associação sublinhou que “a falta de acesso, pela defesa, a tais informações, é contrária à necessidade de um julgamento justo.” Organizações palestinas convocam jornadas de solidariedade e de denúncia da tática israelense de manter prisioneiros sob “detenção administrativa” após cumprirem suas penas.

O escritor progressista Khaled Barakat, também membro da FPLP, enfatizou a importância da mobilização internacional e apelou à solidariedade em todo o mundo contra a “lenta execução” de Kayed. “Israel está tentando normalizar a detenção administrativa. Hoje, como nunca antes, é crítico que derrotemos essa lei e essa política, que a derrubemos,” disse Barakat, citado pela página da FPLP nesta segunda (22). “A batalha do camarada Bilal Kayed é precisamente por isso: acabar com a detenção administrativa – por ele mesmo e por 750 companheiros, prisioneiros palestinos.”

Leia a tradução da firme carta de Kayed, de 1º de agosto de 2016, dirigida ao povo palestino e a outros povos solidários. O texto foi divulgado pela Rede de Solidariedade dos Prisioneiros Palestinos Samidoun (“Firme”, em árabe).

Ao meu heroico povo palestino…
Ao povo livre do mundo…

Nesta difícil fase que enfrento, a nível pessoal, na luta contra a tentativa de forçarem minha submissão à brutal ocupação, que tomou a decisão de me liquidar por nada além do fato de que me coloquei ao lado dos prisioneiros [e] do meu povo, defendendo meus direitos, os direitos deles e os direitos das famílias deles, para alcançarem as condições mínimas para a dignidade humana, não é surpresa que eu seja apoiado por todo o meu povo, que me envolve com seus gritos e apelos, com o apoio e esforços incansáveis para acabar com a injustiça infligida a mim e aos prisioneiros. Isso é condizente com o entendimento nacional de que fui criado com e por vocês, meu povo, e pelo povo livre do mundo, onde quer que esteja. Na Cisjordânia, levantando contra a opressão; nas terras ocupadas (desde 1948 [Israel]), orgulhosos e enraizados no solo e mantendo sua identidade; meu heroico povo na vitoriosa Gaza e todos os povos livres do mundo, de todas as nacionalidades e contextos.

Estou aqui, hoje, concluindo a primeira etapa da minha batalha contra esse brutal ocupante e declarei minha segunda fase, que é uma de unidade com todos os prisioneiros de todos os percursos e partidos políticos, para que possamos, todos, coletivamente, prostrar-nos na ponta da lança da luta nacional, dentro e fora das prisões.

Após receber a decisão das cortes militares da ocupação, como eu esperava, [de rejeitarem o apelo contra a detenção administrativa], ignorando minha liberdade, minha vida e minha dignidade, foi necessário que eu respondesse para confrontar essa decisão cruel. Então, a partir de hoje, 1º de agosto de 2016, estou recusando todos os exames médicos pelos doutores do hospital. Estou exigindo meu retorno imediato à prisão apesar das minhas condições de saúde deterioradas, para me colocar em uma frente e em uma linha, nas celas das prisões da ocupação, lado a lado com todos os prisioneiros rebelados, erguendo nossa voz, alta: Sua decisão não passará facilmente! Especialmente [não] depois de a ocupação ter cruzado outra linha vermelha, ainda mais perigosa, colocando-me em detenção administrativa, pretendendo liquidar todo o movimento dos líderes dos prisioneiros e seus quadros e aqueles que soerguem, alta, a bandeira da defesa dos direitos dos prisioneiros à liberdade e à dignidade.

Meu povo heroico, a hora da luta é essa. Estou cheio de esperança. Como sempre os conheci, sei que são a muralha protetora, defendendo a nossa luta. O que recebi de vocês, através das suas lutas, seus protestos e manifestações, me dá mais determinação para continuar adiante, até a vitória. Seja a liberdade, seja o martírio.

A vitória é inevitável.

Bilal Kayed
Hospital de Barzilai
1º de agosto de 2016

*Moara Crivelente é doutoranda em Política Internacional e Resolução de Conflitos, jornalista, membro do Cebrapaz e assessora da Presidência do Conselho Mundial da Paz.

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