O jornalista e diretor do Opera Mundi, Breno Altman, avalia que ampliação do potencial defensivo em países da América Latina nãorepresenta uma corrida armamentista, mas uma resposta à investida dos EstadosUnidos, que organiza sua estratégia militar na região. Segundo ele, a Colômbiapassa a operar como ponta de lança dos interesses norte-americanos na região.
Com uma opinião crítica em relação ao papel que as Forças ArmadasRevolucionárias da Colômbia (Farc) cumprem hoje no país, ele analisou que,involuntariamente, o grupo se tornou um fator que permite ao presidentecolombiano Álvaro Uribe preservar o poderio e a unidade do bloco conservador,sob a bandeira do combate à guerrilha. Para Altman, o prejeto de uma nova reeleiçãode Uribe deve vingar.
O jornalista fala ainda sobre uma contra-ofensiva conservadora que estaria emcurso na região, com a característica nova de ter, na linha de frente dosembates eleitorais, legítimos representantes do grande empresariado. De acordocom ele, a burguesia latino-americana se lança nas disputas, pela primiera vez,sem intemediários. Altman alerta para a delicadeza do momento e destaca o papelque a eleição brasleira de 2010 deve ter enorme importância para oaprofundamento dos avanços progressistas no continente.
Na entrevista, ele fala ainda sobre a liderança e o respaldo conquistado porEvo Morales, e o cenário pré-eleitoral na Bolívia. Também analisa a relação coma mídia no continente e fala sobre a proposta do Opera Mundi. Veja abaixo.
Países da América Latina anunciaram que estão aumentando seu potencialdefensivo. O senhor concorda com a avaliação de que há uma corrida armamentistana região?
Não. O que ocorre, no fundo, é produtro da estratégia dos Estados Unidos- especialmente depois de devolverem o Canal do Panamá – de reorganizar suapresença militar no continente. Algumas medidas hoje são visíveis nesseprocesso, como a retomada da Quarta Frota e a organização das bases naColômbia.
Nessa reorganização, os EUA privilegiam seus aliados geopolíticos,especialmente a Colômbia, que passa a funcionar, desde o período Bush, masainda no período Obama, como ponta de lança dos interesses norte-americanos naregião. Essa aliança desestabiliza, sob vários aspectos, a correlação militarno continente. É uma ameaça frontal especialmente à Venezuela e ao Equador.
Esse acordo entre a Colômbia e os EUA (pelo qual os EUA poderãom utilizar setebases militares colombianas) provoca uma reação dos países no continente, comotem sido possível observar nos debates da Unasul, nos quais a Colômbia serevela muito isolada. Há uma certa boa vontade por parte do Peru e Chile, mastodos os demais países reagem a esse acordo, que também é uma ameaça ao Brasile ao controle da Amazônia.
Nada impede essas mesmas forças que se concentram hoje na Colômbia de operaremno caso de um contencioso sobre as diversas fontes de energia esustentabilidade que se encontram na Amazônia brasileira.
Esta operação norte-americana acelera então um processo de unificação da defesasul-americana. Mais que uma reação natural à presença dos EUA na região, o fatode Brasil e Venezuela, por exemplo, reforçarem seu poderio defensivorepresenta, também, no bojo dos debates na Unasul, a possibilidade de que venhaa ser colocada em pauta, num futuro próximo, a tarefa de organizar uma defesamilitar comum na região.
No fundo, o que se passa é a reação natural dos países diante de uma retomadada presença militar norte-americana no continente. Os EUA perderam muito da suainfluência econômica, política e militar na região e agora buscam retomar isso.Portanto, não acho que há uma corrida armamentista, mas um processo natural dedefesa da soberania desses países, diante da ameaça militar representada pelaaliança Colômbia-EUA.
A Unasul ainda não teve muito peso nessa discussão…
A Unasul é uma organização ainda nascente. É mais um fórum no qual os paísesbuscam articular seus interesses e seus conflitos que uma instituição sólida,que possa hoje dar resposta contundente na questão militar e de defesa. Mas éum primeiro passo, sem dúvida. Há um esforço poderoso por parte do governobrasileiro, do venezuelano e do argentino, para citarmos os países maisrelevantes nesse processo, de consolidar uma unificação subcontinental econômica,política, cultural e militar.
Nesse contexto, a questão da defesa se colocará como uma das tarefas prementes.Mas ainda vivemos os primeiros passos dessa caminhada, porque há contradições.Temos que lembrar que esses países não são auto-suficientes em relação aarmamentos e há uma série de questões em que é preciso pensar. Há, inclusive,os conflitos político-ideológicos evidentes.
A Colômbia amanheceu (quinta-feira, 17) ameaçando deixar a Unasul, diante dapressão que sofreu na última reunião. Isso revela em certo sentido afragilidade ainda dessa instituição.
O que fez com que países como a Colômbia não acompanhassem a guinadaprogressista que aconteceu na América Latina nos últimos dez anos?
Temos que pensar (essa guinada) como um processo continental de um lado, masque, do outro, são processos nacionais. Esses processos nacionais tenderam àconfluência depois que países importantes, como a Venezuela e o Brasil, viveramsituações nas quais governos progressistas passaram a existir. Isso funcionoucomo um centro magnético, atraiu e desequilibrou a correlação de forças a favordo campo progressista.
Mas há países cujas realidades internas se sobrepuseram a essa situação. Umexemplo, além da Colômbia, é o Chile, onde há um pacto entre forças de centro-esquerda,centro e centro-direita que deu origem à chamada Concertação, e que, de algumamaneira, colocou o Chile fora dessa guinada progressista.
O governo da (Michele) Bachelet é um governo progressista capturado por umpacto institucional que paralisa não só as medidas mais progressistasinternamente, como determina uma relação de aliança geopolítica com os EstadosUnidos.
E na Colômbia?
A Colômbia vive uma guerra civil de fato, na qual se consolidou um blococonservador muito poderoso que consegue ter ainda uma base social ampla naclasse média urbana (por causa do combate à guerrilha) e essa polarizaçãofunciona como uma trava às forças progressistas.
É importante destacar um componente desse processo (no continente). Aestratégia das forças progressistas que se revelou vitoriosa nos dez últimosanos não foi aquela da alternativa popular insurreicional, que, nas suasdiversas modalidades, era a alternativa hegemônica da esquerda nos anos 60, 70e até 80, no período do ciclo das ditaduras militares e resistências e noquadro internacional da Guerra Fria e da força propulsora da revolução cubana.
Após os anos 90, majoritariamente, a esquerda latino-americana se convenceu deque, nas condições a partir de então existentes, o centro de sua estratatégiapolítica devia ser a construção de alternativas institucionais de caráterprogressista, democrátrico e popular. E a via principal de acessos àsestruturas de poder era eleitoral.
Esse consenso sobre a estratégia não é compartilhado por uma parte da esquerdacolombiana, que são as Farc, que ainda são protagonistas de outra estratégia,que, pouco a pouco, vem se revelando duvidosa e tem propiciado mais do queproblemas para quem a pratica, mas também para o conjunto da esquerdacolombiana e latino-americana.
As Farc passaram a ser, involuntariamente, um componente chave na estratégia de(Alvaro) Uribe, um fator que permite a ele preservar o poderio e a unidade dobloco conservador na Colômbia. As Farc já perderam sua capacidade militar emboa medida e sofrem um grau de isolamento internacional importante. Podem sepreservar como força de resistência, mas não mais capaz de construir umaalternativa de poder. Mas é muito últil para preservar essa unidade do blococonservador e o prestígio de Uribe.
O senhor acha que o projeto de reeleição de Uribe vai vingar?
Acho que sim. É com base nisso que a reeleição dele vai vingar, dessa ideia deque ele é um homem talhado para resolver um problema que, majoritariamente, opovo colombiano considera como inaceitável, que é a prevalência de uma situaçãode violência e guerra civil.
As Farc cometem, no meu julgamento, um erro ao permitirem que Uribe seapresente ao povo colombiano como um defensor da paz, porque faz a guerracontra a guerrilha. As Farc perderam inúmeras oportunidades de conquistar abandeira da paz para o seu lado, uma operação para a qual teria a solidariedadeinternacional.
Após dez anos de expressivas vitórias,as forças progressistas tiveram em 2009 alguns revezes, como o golpe em Honduras,a derrota no Panamá e o resultado negativo nas eleições legislativas naArgentina. Ascendeu a luz amarela no continente?
Acho que está em curso uma contra-ofensiva conservadora no continente. Essacontra-ofensiva tem alguns capítulos já escritos, como Honduras, Panamá eArgentina, e vislumbram-se dificuldades poderosas no Chile, onde umacandidatura do bloco pinochetista pode ser eleita à Presidência, e a disputaprincipal é entre um candidato de direita, como o Sebastián Piñera, e um decentro-direita, como o Eduardo Frei.
Temos uma situação de isolamento e perda de maioria político-parlamentar naArgentina, situações complicadas no Uruguai, e viveremos a grande batalha entreforças progressistas e conservadoras na eleição brasileira do próximo ano.
Temos, no calendário, batalhas fundamentais e, para que possamos travá-las comlucidez e energia, é preciso considerar que há uma contra-ofensivaconservadora, com componentes importantes: pela primeira vez na história daAmérica Latina, o grande empresariado, a burguesia latino-americana, seapresenta na arena com seus quadros naturais.
O Piñera é um empresário; o presidente eleito no Panamá, Ricardo Martinelli, éoutro empresário; o Mauricio Macri, uma posssibilidade na disputa argentina, éoutro grande empresário. As elites do continente assumem desta vez a linha defrente na organização dessa contra-ofensiva, que está em curso porque essasforças perderam os governos, mas não perderam o poder. Mantiveram o controle deimportantes instiutuções do Estado, da mídia e mantêm relações internacionaispoderosas com centros capitalsitas mais desenvolvidos, em especial os EstadosUnidos.
Os resultados dessa contra-ofensiva, a definição de se a América Latinaaprofundará a tendência progressistas ou não, isso será definido nas batalhas(eleitorais) dos próximos dois anos, especialmente na batalha brasileira. Umvitótria conservadora aqui pode ferir de morte ou seria uma trava importantenos avanços das forças progressistas na região.
Como o senhor analisa o cenário pré-eleitoral na Bolívia?
É a situação mais tranquila que temos no continente hoje. O Evo, queenfrentava a resistência que parecia irreversível das forças separatistas econservadoras da Bolívia, conseguiu fazer resistência a essas forças e, em seguida,ampliar sua influência e liderança para o conjunto da sociedade boliviana.
Hoje ele possui raízes bastante sólidas não só entre a população indígena, masem parte da população de origem europeia que, em um primeiro momento, secolocou bastante desconfiada em relação a ele e a seu discurso indigenista eprogressista.
Como foi esse processo?
Essencialmente, ele ter conseguido construir uma aliança entre povosindígenas e os pobres e os trabalhadores em geral. Uma parte dessaclase média branca e urbana é formada por trabalhadores. Ele conseguiu atrairsetores, demonstrando que sua política de recuperação das riquezas naturais eminerais da Bolívia era passo essencial para a construção de um projeto dedesenvolvimento nacional que permitisse à Bolívia sair da difícil situaçãoeconômica e social que o país vive.
Uma parte da pequena burguesia boliviana se deu conta de que a incorporação deíndios e povos trabalhadores ao mercado interno poderia significar, a partir daconsolidação e ampliação de seu direitos e da conciliação de um projetonacional, um ciclo de relativa prosperidade na Bolívia, do qual também sebeneficiariam esses setores.
Evo (Morales) demosntrou ser uma grande liderança política com capacidade deconciliar táticas de enfrentamento e negociação como raros políticos.
Porque a relação com a mídia no continente é tão difícil?
Há um elemento importantíssimo da realidade política que já foiobservado, nos anos 20, num famoso texto do Gramsci, em que ele dizia: osjornais são os modernos partidos da burguesia. A mídia, paulatinamente, foiassumindo este papel, na disputa política, de organizadora coletiva dos grandesinteresses das oligarquias, que são suas proprietárias.
A mídia pode exercer um papel político muito mais competente do ponto de vsitadas elites, que seus partidos, que não passam de meras legendas eleitorais. Comraras excessões, os partidos de direita não têm qualquer tipo de vida. Numcontinente pobre como o nosso, o discurso puramente partidário das elites, noqual elas assumem com clareza seus interesses político, econômicos e culturais,tem pouca vazão. Há enorme resistência a esse tipo de discurso.
E, numa situação em que o discurso de direita é contraproducente, a mídia, porse apresentar, como árbitra da verdade, é instrumento de intervenção políticamuito mais eficaz. Esse papel da mídia vem se fortalecendo, sem resposta àaltura das forças progressistas, que não foram capazes de construir uma mídiaque se contraponha ao conservadorismo.
No Brasil, o maior fracasso das forças progressistas foi não ter conseguidoisso, construir um instrumento de mídia que expresse sua opinião e fale paraesse campo. E construir uma mídia não é só uma questão de disputa política, émais que tudo a construção de um instrumento de disputa de hegemonia. NaAmérica Latina, você conseguiu construir maioria político-eleitoral, semconstruir hegemonia político-cultural.
O senhor é diretor de um site de notícias. Qual é a proposta do Opera Mundi?
É um projeto ainda experimental, cuja divulgação pública deve acontecernos próximos trinta dias e cujo objetivo é ser um espaço plural e progressista,mas jornalístico e informativo, sobre política internacional, em especial daAmérica Latina, que trate os fatos políticos e econômicos.
Não havia nenhum veículo que se dedicasse em especial a essa questão que é hojeum terreno essencial na batalha das ideias. A editora Última Instância,responsável pelo Opera Mundi, resolveu apoiar esse projeto, que não é fácil deser construído. Tem que ter rede de correspondentes no mundo inteiro, criarcaminhos alternativos às agências que monopolizam a informação internacional,construir uma linguagem, uma pauta de cobertura em um terreno que sempre foimais difícil.
O senhor costuma acessar o Vermelho? Quais as suas impressões?
Acesso todos os dias. Considero que é o portal, o veículo de informaçãopolítica mais qualificado que temos na internet hoje, pela qualidade do queproduz e pela pluralidade de ideias e informações que reúne.
Da Redação,
Joana Rozowykwiat
Fonte: Portal Vermelho – www.vermelho.org.br