Socorro Gomes: “65 anos nos separam de uma marcante tragédia”

Apresidente do Conselho Mundial da Paz, Socorro Gomes, encontra-se no Japão,onde participa da Conferência Mundial contra as Armas Nucleares, na cidade deHiroshima, e dos atos oficiais organizados por ocasião do 65º aniversário daexplosão da bomba atômica, que transcorre em 6 de agosto. Nesta quinta (5),Socorro discursou em Hiroshima.

 Leiaabaixo a íntegra do discurso, na ocasião do transcurso dos 65 anos dosbombardeios nucleares pelos Estados Unidos da América (EUA) contra o povojaponês:

 "Hoje,quando 65 anos nos separam de uma marcante e inesquecível tragédia para ahumanidade, algumas simbólicas reminiscências brilham em nossa memória sob oscéus da cidade de Hiroxshima. Acompanha-nos, em sonora e solene circunstância,uma composição musical do ex-embaixador e poeta brasileiro Vinícius de Moraes,já falecido, ao lado de outro patrício, Gerson Conrad, sob o título “Rosa deHiroshima”:

 Pensemnas crianças

Mudastelepáticas

Pensemnas meninas

Cegasinexatas

Pensemnas mulheres

Rotasalteradas

Pensemnas feridas

Comorosas cálidas

Mas,oh, não se esqueçam

Darosa da rosa

Darosa de Hiroshima

Arosa hereditária

Arosa radioativa

Estúpidae inválida

Arosa com cirrose

Aanti-rosa atômica

Semcor sem perfume

Semrosa sem nada

 Odramático apelo, que ganha substância nos versos do poeta tornou-se emblemáticoem inúmeros países. E também ofereceu sua singela contribuição, entre as muitasmanifestações do espírito humano ofendido pelo genocídio atômico, para que secriasse uma consciência universal em oposição ao uso destrutivo da energianuclear e ao seu monopólio pelas potências armadas, hegemonizadas pelos EstadosUnidos da América.

 Efoi essa crescente consciência universal que conduziu a luta dos povos, aolongo de décadas, pela paz mundial, em oposição às guerras imperialistaspromovidas em todos os continentes e movidas, sobretudo pelos interesseseconômicos hegemonistas dos EUA. Isso foi marcante na segunda metade do séculopassado e cresceu, numa frequência amiúde, na primeira década do atual século21, sobretudo com as invasões de países como o Afeganistão e o Iraque.

 Emtodos esses momentos, a chantagem nuclear teve seus desdobramentos, desde osataques massivos genocidas sobre Hiroshima e Nagasaki. Em resposta a essaarrogância, também cresceu no mundo o clamor pelo desarmamento nuclear. OConselho Mundial da Paz e todas as organizações que o integram estão engajadosneste clamor e nesta luta.

 Temosa convicção de que é possível dar passos concretos no sentido do desarmamento.O CMP tem atuado nesse sentido, tendo organizado importantes atividades eparticipado de outras, organizadas por diferentes movimentos, e de eventosoficiais no quadro das Nações Unidas.

 Nossopropósito, ao promover e participar dessas atividades, consiste em ampliar adiscussão sobre o assunto com a sociedade e conquistá-la para as atuais efuturas batalhas.

 Viveem nossa memória o Apelo de Estocolmo, lançado pelo Conselho Mundial da Paz há60 anos, quando ocorreu uma expressiva mobilização do movimento pacifista ealcançou-se 600 milhões de assinaturas. Hoje, consideramos que não é factível anão-proliferação sem desarmamento, visto que já existem os instrumentos para anão-proliferação sem que se tenham afirmado as medidas para o desarmamento.

 OsEUA, com a pretensão hegemonista que consiste em estabelecer draconianas regrasapenas para os demais países do planeta, se afirmam como o maior entrave aodesarmamento. Ao tempo que vedam a outros países os avanços tecnológicos,elevam seu orçamento militar para manter e modernizar suas armas nucleares.

 Ahumanidade terá sempre as tragédias de Hiroshima e Nagasaki como espadascravadas em seu espírito e na espinha dorsal do processo civilizatório, nosúnicos ataques onde se utilizou armas nucleares. Prevalece a consciência deque, naquele momento, os povos foram abalados pela eclosão sem paralelos dadestruição em massa. Historicamente, não se apresentou, até a atualidade, nenhumepisódio que, de longe, fosse comparável a tanto terror. As estimativas dototal de pessoas executadas em massa ultrapassam em muito as avaliações de 140mil em Hiroshima e 80 mil em Nagasaki — em sua maioria, civis. Sãoconsideravelmente mais elevadas, essas estimativas, quando se contabiliza asmortes e mutilações congênitas posteriores, devidas à exposição à radiação.

 Entretanto,ao longo das décadas que nos separam das tragédias assinaladas de Hiroshima eNagasaki, os EUA demonstraram — do Vietnã ao Iraque e Afeganistão, entre asinúmeras guerras que engendrou de modo mais ou menos ostensivo e devastador —que não houve nação mais agressiva e desumana ao longo do processo dodesenvolvimento histórico. Suas vítimas no mundo inteiro se contam aos milhões.Cresce também sua capacidade em criminalizar as nações vitimadas, desde asversões fantasiosas e caluniosas sobre “ameaças” que se inspiram no seu próprioterrorismo de Estado, a exemplo do que ocorre hoje em relação ao Irã.

 Considerandoa necessidade de desenvolvimento da tecnologia nuclear para fins pacíficos, danão proliferação das armas nucleares e do desarmamento, compartilhamos aopinião que os países não devem assinar o Protocolo Adicional ao TNP.

 Ospaíses não podem se submeter às pressões, ameaças ou chantagens que acenam coma possibilidade de uso da arma atômica contra quem não for signatário dotratado de não-proliferação em função de sua cláusula adicional. E devem sepronunciar criticamente quanto ao anúncio das novas orientações dos EUA sobresua política nuclear. No TNP, o desarmamento é declaratório e, no caso danão-proliferação é mandatório, realçando desequilíbrio quanto aos interesses doconjunto dos 172 Estados-Parte.

 Oambiente em que vivemos hoje esclarece nitidamente que as potências nuclearesnão se voltam para a proteção da humanidade, mas para a defesa dos seusinteresses próprios quando anunciam — no caso dos Estados Unidos e Rússia — umacordo de redução dos arsenais nucleares. E são crescentes as evidências de queos tratados acerca das armas nucleares alcançam tão somente um desequilíbriodestinado a preservar a posição dos possuidores de poderosos arsenais, à frenteos EUA, capazes de destruir a humanidade, tornando a vida mais vulnerável e omundo mais perigoso e inseguro.

 Eisso apenas coonesta a tendência destrutiva predominante na história dosgrandes impérios, indisfarçavelmente mais ameaçadores em defesa de suahegemonia, em especial nos momentos de maiores dificuldades e crises,tornando-se mais ofensivos e beligerantes.

 Amanutenção dos grandiosos arsenais nucleares representa igualmente imensasdespesas voltadas para a miniaturização, a alta precisão e a produção de cargasvariáveis dessas armas para que sejam operacionais em guerras localizadas —único tipo de guerra imaginável desde a perversa destruição de Hiroshima eNagasaki.

 Ospaíses — a esmagadora maioria dos Estados-Parte da ONU — prejudicados pela açãoexcludente do hegemonismo imperialista, devem buscar a ampliação do espaço daenergia nuclear para fins pacíficos nas mesas de negociações, devidamenteinformados de que esta posição contraria os países armados, que se recusam apartilhar decisões quando o assunto é segurança.

 Pois,sabemos que, nos bastidores dessas negociações, predominam formidáveis efortíssimos interesses econômicos que se ocultam sob o tema da não-proliferaçãode armas nucleares para barrar o evento de novos pretendentes ao protagonismono cenário econômico internacional.

 A8ª Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares –TNP revelou que há muitas resistências à agenda das potências armadas contra ahumanidade, mas os estados nucleares membros da Otan (EUA, Reino Unido,França), com o apoio ocasional da Rússia, reafirmaram, de modo arrogante, que adissuasão nuclear persiste como especial estratégia de defesa das grandespotências.

 Nãoobstante a reafirmação da política hegemonista na 8ª Conferência de Revisão doTNP, destacamos quatro aspectos sensíveis da resistência mundial entre as suasdecisões, que, ainda acanhadas, exigem maior atenção:

Odebate do desarmamento nuclear persistirá, nos termos da correlação jádesenhada, na Comissão de Desarmamento da ONU.

Aelaboração, ainda em perspectiva, de um instrumento juridicamente vinculante degarantias do não-uso ou ameaça de uso de armas nucleares contra os paísesdesprovidos dessas armas.

Umaresolução que convoca a realização de uma conferência, postergada para 2012,destinada a debater a implementação de uma Zona Livre de Armas Nucleares noOriente Médio.

Umaainda tímida e insuficiente demanda para que Israel — o maior obstáculo à construçãoda paz na região, que chegou a vender armas nucleares ao regime do apartheid daÁfrica do Sul — se incorpore ao TNP e coloque seus arsenais sob vigilância daAIEA.

Nesteconcerto da resistência mundial, consideramos, enfim, que deve persistir a lutapelo direito inalienável de cada Estado-Parte de desenvolver tecnologia nuclearpara fins pacíficos e em defesa da completa eliminação dos arsenais nucleares.

 Companheirase companheiros, senhoras e senhores, vivemos em um mundo mergulhado em profundascrises econômicas e sociais, que geram grandes conflitos. As contradiçõesinterimperialistas e de classes podem redundar em maiores tensões e conflitosarmados. O imperialismo norte-americano e seus aliados da Otan preparamdesenfreadamente planos de intervenções e guerras nas diversas regiões do mundoque podem ter efeitos trágicos para as soberanias nacionais e aos direitos dospovos e ameaçar a própria sobrevivência da humanidade.

 Aaprovação de novas sanções ao Irã no Conselho de Segurança da ONU, e aimposição de sanções unilaterais adicionais pelos EUA e pela União Européia,visam à manutenção do atual sistema de poder mundial, caracterizado pelahegemonia dos EUA,

 Asestratégias militar e de segurança nacional dos EUA mantêm seu caráter agressivoe contrariam a retórica de cooperação e multilateralismo. Essas estratégiasconsistem em planos para impor principalmente pela força e se necessário pelaguerra os interesses hegemônicos dos EUA. Segundo essas novas estratégias, osEUA, alegando a prioridade para a prevenção da proliferação nuclear, autorizama si mesmos, em nome dos seus “interesses vitais” ou de seus aliados, comoIsrael, a realizar um ataque com armas nucleares, em condições “extremas”,contra qualquer país. Na verdade, é a continuidade da política de “guerrapreventiva” e de “guerra infinita” de George Bush. Em outras palavras, manter opoder dos EUA pela força militar, custe o que custar à humanidade.

 OsEUA investirão em 2011, 780 bilhões de dólares em suas forças armadas, orçamentorecorde desde o final da Segunda Guerra que supera em 49% o orçamento de 2000,e que é maior que os gastos militares somados de todos os demais países domundo. Os EUA insistem em manter bases militares por todo o globo terrestre, emtodos os mares e oceanos. Ultimamente têm intensificado a instalação de taisbases na América Latina, na África, no Oceano Índico e na Ásia Central.

 OsEUA e a Otan se capacitam para o que chamam de “Ataque Global ImediatoConvencional”. Com a nova estratégia da Otan, que passará a atuar em todos oscontinentes e mares, até as Ilhas Malvinas e outros territórios próximos daAmérica do Sul, são reais ou potenciais bases militares da aliança agressiva.As forças especiais dos EUA, especializadas em ações clandestinas de guerra, emmissões de inteligência, subversão e “desestabilização”, já operam em 75países, sendo que há um ano estavam em 60 países. “O mundo é o campo debatalha”, disse um alto oficial das forças especiais estadunidenses.

 Apreparação da agressão ao Irã se intensifica. Para o imperialismo é precisoconter o Irã, reforçar o poderio de Israel a fim de não comprometer o seucontrole na região do Oriente Médio e da Ásia Central. EUA e Israel se preparampara uma possível intervenção militar, deslocando forças navais através doCanal de Suez rumo ao Golfo Pérsico, próximo às costas marítimas iranianas.Negociam com a Arábia Saudita o uso do espaço aéreo em eventuais bombardeios.

 Oroteiro dos EUA é similar ao da guerra contra o Iraque, com pressõesdiplomáticas, medidas cerceadoras na ONU, campanha midiática com base emfalsidades, a alegação de eventual descumprimento das sanções, e o acionar doplano de intervenção militar, direta ou através de Israel. Muitas liderançaspolíticas, intelectuais e especialistas no tema militar, inclusive nos EUA,levantam a possibilidade da guerra contra o Irã ser “a guerra de Obama”, assimcomo a guerra do Afeganistão e do Iraque foram as guerras de Bush, que Obamacontinua.

 NaÁsia Central e no Oriente Médio, região estratégica para o domínio imperialistaglobal, os EUA e seus aliados da Otan aumentam seus efetivos militares noAfeganistão, prolongam a guerra e prorrogam a ocupação militar no Iraque eadotam medidas para instalar bases militares na Ásia Central.

 OsEUA e Israel ameaçam a Síria e as forças patrióticas no Líbano, sustentam aocupação na Palestina e o bloqueio criminoso contra a Faixa de Gaza, que aflotilha humanitária, covardemente atacada pelos militares israelenses, tão bemdenunciou.

 Noleste da Ásia os EUA realizaram recentemente, em conjunto com a Coreia do Sul,manobras militares de grande porte na Península Coreana. Em seguida acusaram ogoverno norte-coreano de afundar um navio de guerra sul-coreano, quando surgemfortes suspeitas de que as próprias forças militares e de inteligência ianquesteriam colocado uma mina na embarcação para criar artificialmente uma tensãocom a República Popular Democrática da Coreia e tentar isolá-lainternacionalmente. Há duas semanas, acentuaram-se os traços agressivos da açãoestadunidense na região, com a realização de novas manobras militares naPenínsula e a adoção de novas sanções contra a Coreia do Norte.

 Alémdesses objetivos, os EUA, depois de fortes pressões, conseguiu a manutenção dasbases militares em território japonês, em especial a base de Okinawa.

 Umpacto entre os governos da Índia e dos Estados Unidos para, nas palavras deles,"conter o terrorismo" foi assinado em 23 de julho em Nova Delhi.

 Segundoo pacto, os serviços de segurança e inteligência dos dois países serãocompartilhados, em áreas como a segurança marítima, grandes eventos e na"luta conjunta em bases globais contra um inimigo comum, oterrorismo". Esta é mais uma demonstração do intervencionismonorte-americano e da preparação de medidas antidemocráticas em nome da “lutacontra o terrorismo”.

 NaAmérica Latina recrudescem as pressões contra a Revolução Cubana, a RevoluçãoBolivariana da Venezuela e os processos democráticos, populares eantiimperialistas em toda a região. Após a reativação da 4ª Frota, os EUAinstalam novas bases militares, como em Honduras, onde ajudaram a promover umgolpe de estado. A pretexto de ajuda humanitária ao Haiti, após o terremoto noinício deste ano, forças militares estadunidenses com mais de 15 mil soldadosdesembarcaram no país.

 Nosúltimos dias mais de sete mil soldados, 46 navios de guerra, porta-aviões,submarinos e helicópteros dos EUA instalaram-se em bases na Costa Rica,supostamente para combater o narcotráfico. O governo colombiano que fez umpacto militar com os Estados Unidos e mantêm em seu território sete basesmilitares em convênio com Washington, segue a linha traçada pelos EUA de tornaro país uma Israel da América Latina e do Caribe.

 Aresistência dos povos e países oprimidos está impondo derrotas ao imperialismo,no Oriente Médio, na Ásia Central e em outros cantos da Terra. Na AméricaLatina, continuam a florescer as forças populares, democráticas eantiimperialistas.

 Asrecentes provocações do governo colombiano contra a Venezuela obedecem a umplano ardiloso e sinistro de Washington. Os Estados Unidos têm interesse naguerra e buscam criar as condições para uma conflagração na região.

 Omundo, e em especial a América Latina, vivem um momento de transição e mudança.Na América Latina foram eleitos vários governos progressistas que, embora emgraus diferenciados, contestam a hegemonia norte-americana e buscam abrircaminho para um desenvolvimento soberano e a integração política e econômica daregião.

 Coma economia em frangalhos e num processo histórico de decadência, os EUArecorrem ao poder militar, terreno em que sua superioridade é incontestável,como último recurso para manter o domínio sobre o mundo. A guerra é, hoje, o principalinstrumento do imperialismo. Isto explica um orçamento militar que correspondeà metade dos gastos bélicos do resto do mundo e foi ampliado apesar da crise(agravando os desequilíbrios financeiros e o déficit do governo imperial), bemcomo a crescente agressividade contra os povos.

 Nãodevemos subestimar o que está ocorrendo na América Latina e no mundo. Sãograves as ameaças à paz.

 Aomesmo tempo, há razões para o otimismo histórico. Em todas as partes,os povosse movimentam e lutam, opõem-se às tendências de atirar sobre os ombros dostrabalhadores os efeitos da crise, resistem aos golpes e ameaças de guerra,rechaçam as políticas intervencionistas do imperialismo e em muitos casos,avançam na obtenção de conquistas democráticas e patrióticas. Espraia-se aconvicção de que é necessário lutar por um novo ordenamento político eeconômico mundial. Cada vez mais, o espírito da época é o da lutaantiimperialista, da união de amplas forças da democracia, do progresso, daindependência nacional e da paz.

 Afraternal presença do CMP no Japão, no transcurso do 65º aniversário dosbombardeios nucleares é uma manifestação de solidariedade com o povo japonês eda unidade do movimento pela paz no mundo. É uma ocasião propícia à reflexão eà organização da luta antiimperialista e pela paz. Renovamos a esperança de queconquistaremos, no presente, o futuro da paz, harmonia e prosperidade social noJapão e em todo o mundo.

 Apaz mundial, a soberania nacional e o progresso social nunca foram tãonecessários à humanidade.

 Muitoobrigada,

SocorroGomes,

Presidentedo Conselho Mundial da Paz

 Fonte: Portal Vermelho

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