Líderes prometem mais gastos militares por uma Otan “mais robusta”

No último dia da Cúpula no País de Gales, em 5 de setembro, os líderes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança do imperialismo ocidental, concordaram em trabalhar contra os cortes financeiros no setor militar. O anúncio foi feito pelo secretário-geral Anders Fogh Rasmussen, que tem promovido incisivamente o maior investimento na Otan em detrimento da crise econômica e financeira que aflige especialmente os povos europeus. 

Por Moara Crivelente*

Para Rasmussen, a promessa da Aliança “neste mundo perigoso” também pretende aprofundar os laços transatlânticos – construídos, como não podia deixar de ser, sobre o belicismo e a ameaça – apesar dos apelos mundiais pelo desarmamento. A atuação contundente de diversos movimentos sociais e organizações civis tem pressionado seus governos pela redução dos gastos militares. A Cúpula de dois dias no País de Gales (Reino Unido) pretendia avançar na consolidação de um novo Conceito Estratégico para a reformulação das motivações declaradas para a sobre-existência da Otan. Os objetivos centrais da Aliança foram adaptados conforme as dinâmicas internacionais se reconfiguravam. Veja aqui um breve histórico destas adaptações.

Nascida logo após a Segunda Guerra Mundial, em 1949, a Otan pretendia confrontar a União Soviética, com uma corrente de políticas de ameaça intituladas “dissuasão”. Os diferentes conceitos estratégicos formulados sempre envolveram, por exemplo, o possível emprego das armas nucleares contra o bloco soviético. Já no pós-Guerra Fria, a partir de 1991, a Aliança passou a definir objetivos novos e abrangentes para justificar a sua sobrevivência e a disseminação da sua presença ou intervenção militar pelo globo, além das suas próprias fronteiras, principalmente através de uma fachada “humanitária”.

Além das agressões nos Bálcãs, Afeganistão, Líbia, e outras – ataques que a Otan promove, mais recentemente, como “gestão de crises” – a Aliança também funciona como um verdadeiro mercado onde se comercializa a guerra, com espaços institucionais para a realização de “negócios” com as indústrias do setor militar. Enquanto diversas organizações civis denunciam a influência devastadora da indústria bélica, esta busca restringir o espaço de defesa da paz frente à força do capital, também ressuscitado à custa do empobrecimento dos trabalhadores.

No início deste ano, Rasmussen discutiu com embaixadores do Conselho do Atlântico Norte e com o Supremo Comando Aliado da Europa uma “Otan Futura”, com decisões claras para “melhorar suas capacidades militares”. Já na Cúpula, afirmou que a Otan “deve estar preparada para realizar qualquer tipo de missão e para defender os Aliados contra qualquer tipo de ameaças”, informando que os líderes concordaram em manter a Otan “robusta” e pronta para enviar soldados quase instantaneamente em intervenções militares. “Esta ponta de lança incluirá vários milhares de tropas preparados para serem enviados dentro de poucos dias com apoio aéreo, marítimo e de Forças Especiais,” garantiu.

“Agenda securitária”: As ameaças da Aliança militar

Rasmussen havia declarado que esta seria uma das Cúpulas mais importantes da Otan em um momento “crucial”, quando os líderes trabalhariam para “tornar a Aliança mais capacitada para lidar com qualquer desafio”, enquanto as “ameaças” a serem enfrentadas continuam sendo delineadas de forma propositalmente difusas, mas em quadros retrógrados das relações internacionais. Um exemplo foi a ênfase à “ameaça da Rússia” na questão da Ucrânia, instrumentalizada para promover o avanço da Otan em direção à vizinhança russa, com o aumento da sua presença militar na região.

Entre os temas discutidos por mais de 60 líderes mundiais que participaram da Cúpula estiveram o Afeganistão, a crise na Ucrânia e o avanço do terrorismo no Iraque. Rasmussen já havia destacado planos para uma nova missão no Afeganistão, a partir de 2015, mantendo no país a presença militar aopós 13 anos de uma intervenção avassaladora, de consequências diretas como o empobrecimento generalizado e a destruição das capacidades de desenvolvimento afegãs.

Durante a Cúpula, os chefes de Estado e Governo voltaram a “sugerir” aos candidatos presidenciais no Afeganistão o trabalho conjunto para garantir o “acordo securitário” com a Otan, o que inclui o plano de manutenção de tropas da Força Internacional de Assistência Securitária (Isaf, na sigla em inglês) no país, declaradamente para a “assistência” às forças afegãs. Este plano vinha sido empurrado contra o presidente afegão Hamid Karzai pelos Estados Unidos inclusive através de “advertências” sobre as consequências do seu rechaço, como o corte de ajudas até financeiras. O prazo da Isaf no país é dezembro deste ano. A sua permanência é apresentada com um componente também “humanitário”, um conceito que passou a integrar as políticas declaradas da Otan, com a “promoção da democracia”, do desenvolvimento, da educação, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, “principalmente para as mulheres”, enfatiza o portal da Aliança.

Os anos de devastação do Afeganistão desde a invasão lançada pelos Estados Unidos, ainda em 2001, deveriam bastar para revelar a contrariedade desta propaganda, mas a miríade de princípios já amplamente discutidos por trás desta política externa dos “excepcionais”, que presentearão o Oriente com a “democracia e a liberdade” através da força, não se esgota. No segundo caso, um ano inteiro de violência antes e depois da ascensão do fascismo ao governo da Ucrânia, através do golpe de fevereiro respaldado pelos EUA e pela União Europeia, foi acompanhado por ameaças à Rússia pelas alegações sobre o seu envolvimento na turbulência. No terceiro caso, a Otan escolheu ignorar a proveniência estrangeira do grupo extremista do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), passando primeiro pela Síria, que foi ignorada em seu apelo pelo combate ao fenômeno e na denúncia à influência, novamente, dos Estados Unidos e de vizinhos árabes.

Os governantes dos EUA, Reino Unido e França promoviam a intervenção militar no país, mais uma vez alegando a defesa da “democracia”, contra o governo sírio, mas a agressão foi barrada pela Rússia e pela China. Por outro lado, ficou excluído da agenda um dos temas mais recentes, que atraiu a atenção mundial: mais uma ofensiva de Israel contra a Faixa de Gaza, que matou mais de 2.100 pessoas em cerca de 50 dias de bombardeios. A mais recente operação, “Margem Protetora”, foi a terceira em cinco anos, resultando na devastação de Gaza e em um saldo de quase quatro mil palestinos mortos. Entretanto, Israel, além de aliado intocável dos Estados Unidos, integra o quadro do Diálogo do Mediterrâneo na Otan e fornece uma grande variedade de equipamentos militares e armamentos à Aliança.

Dimensão, orçamento e cortes

A Isaf tem 41.124 tropas de 48 países diferentes. Os Estados Unidos compõem a Força com 28.970 soldados enquanto o Reino Unido, que tem o segundo maior contingente, mantém engajados 3.906. A Otan ainda mantém tropas no Kosovo desde 1999 e a província sérvia declarou independência unilateralmente em 2008, com respaldo ocidental. A Força da Otan no Kosovo, KFOR, é composta por 4.576 soldados de 31 países, dos quais os maiores contingentes são dos Estados Unidos (731) e da Alemanha (674). Os dados das duas missões militares são de 2013.

Naquele ano, o orçamento da Otan foi declarado em US$ 1,023 trilhões (R$ 2,296 trilhões, no câmbio atual), dos quais US$ 753,6 bilhões (R$ 1,7 trilhões) vieram apenas dos EUA. Mesmo assim, no início de 2014, Rasmussen e as autoridades estadunidenses já apelavam à Europa em crise – com marchas massivas pelas ruas contra as agressivas políticas de arrocho dos seus governos, que seguem ordens das instituições financeiras credoras – por maior investimento no setor militar.

Apesar das firmes campanhas, principalmente na Europa, pela redução das despesas militares, os líderes da Otan comprometeram-se a aumentá-la “de acordo com a existente diretriz” para um investimento de 2% do Produto Interno Bruto de cada país no setor, “para satisfazer as prioridades de capacidade da Otan,” segundo Rasmussen.

O secretário-geral disse que “a segurança dos nossos países e cidadãos é importante demais para que aparemos arestas, ou para cortarmos ainda mais fundos; sem segurança não podemos ter prosperidade.” O refrão é o similar ao das políticas de arrocho contra os trabalhadores, com cortes nos investimentos da proteção social, mas as “aparas” nos direitos socioeconômicos dos cidadãos são mais aceitáveis do que o corte na capacidade de ameaçar o mundo com a guerra, através de concepções retrógradas e militaristas da “segurança” que promovem única e novamente os interesses do imperialismo e do capital.

*Moara Crivelente é cientista política, jornalista e membro do Cebrapaz, na assessoria da presidência do Conselho Mundial da Paz.

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