Decorreu entre 19 e 23/12 em Tifariti, nos territórios liberados do Saara Ocidental, o 15º Congresso da Frente Popular pela Libertação de Saguía el Hamra e Rio de Ouro (POLISARIO), com mais de dois mil delegados. Na encruzilhada em que o povo saaráui debate a sua estratégia de luta, o encontro homenageou o mártir Bujari Uld Ahmed Uld Barical-la, experiente intelectual e diplomata que representou seu povo na ONU. O Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (CEBRAPAZ) enviou mensagem, lida no Congresso, reforçando seu apoio incondicional.
Há quatro décadas o povo saaráui luta pela implementação da promessa de descolonização do Saara Ocidental, sob a brutal ocupação marroquina da mais rica porção do seu território, sob as duras condições de vida, mas ainda assim em impressionante resiliência nos campos de refugiados no deserto argelino ou no exílio.
Mas diante da violência e da irredutibilidade dos ocupantes marroquinos na colonização ilegal do território saaráui e o espólio dos seus recursos para o comércio exterior, da falta de empenho por uma solução justa ou da cumplicidade, sobretudo das potências europeias Espanha e França, os saaráuis avisam que já basta. Seu compromisso prático e de princípios com a paz e a diplomacia, demonstrado em quase três décadas desde o cessar-fogo de 1991, não é correspondido.
O descontentamento dos e das saaráuis manifesta-se nos apelos, sobretudo por parte dos mais jovens, pelo retorno ao combate armado, ou pela reformulação das campanhas internacionais, já que fracassa o processo de negociações com o Marrocos, não por falta de empenho por parte de um povo que tem vocação para a paz. Fontes saaráuis relatam o debate franco no Congresso, entre militantes e a direção da Frente POLISARIO, como se vê na reportagem da Agência EFE (em espanhol):
Desde 1991, quando os saaráuis concordaram em baixar as armas e negociar com o Reino do Marrocos por uma solução que implementasse seu direito de autodeterminação através de um referendo, a promessa se mostrou inócua. Nem mesmo a Missão das Nações Unidas para a realização do Referendo no Saara Ocidental (MINURSO) cumpre seu papel, colocando em causa a própria relevância da ONU. A missão de paz tem sido incapaz de exercer seu mandato e sequer pode proteger a população saaráui sob ocupação militar marroquina, cujas violações dos direitos humanos são valentemente relatadas por ativistas, sobreviventes.
Representantes de entidades solidárias e parlamentares de todo o mundo manifestaram seu apoio irredutível à luta do povo saaráui e ao rumo que o debate no Congresso a levará, de forma incondicional. Embora autoridades de países como a Espanha e do próprio Marrocos tenham tentado dissuadir a participação internacional levantando falsas ameaças à segurança, dezenas de entidades, partidos e governos enviaram representantes. Do Brasil, participou a Associação de Solidariedade e Pela Autodeterminação do Saara Ocidental (ASAHARA); o CEBRAPAZ enviou a mensagem a seguir, assinada pelo presidente Jamil Murad.
A presidenta do Conselho Mundial da Paz, Socorro Gomes, também enviou a seguinte mensagem ao Congresso:
O coordenador da Asociación Ecuatoriana de Amistad con el Pueblo Saharaui, Pablo de la Vega, transmitiu à liderança saaráui os planos de realização de uma conferência continental para a consolidação de uma rede latino-americana de entidades solidárias, empenho em que o CEBRAPAZ e a ASAHARA participam.
Decisões do Congresso
O 15º Congresso da Frente POLISARIO reelegeu Brahim Ghali como seu secretário-geral e presidente da República Árabe Saaráui Democrática, que foi declarada ainda em 1976 e reconhecida por cerca de 80 países. Ghali também participou da construção das instituições governamentais da RASD, esforço que demonstra o compromisso dos saaráuis com a sua independência e sua soberania.
Neste sentido, o jornal El Confidencial Saharaui relata que uma das principais decisões é a consolidação “mais sustentada e visível” do Estado saaráui nos territórios que foram liberados em árdua luta contra os ocupantes marroquinos, de 1975 até 1991. Os delegados apelaram à nova liderança eleita neste Congresso “para que dobre esforços no exercício da soberania [da RASD] sobre os territórios liberados”, diz o jornal, citando o porta-voz do Congresso, Oubbi Bouchraya Bachir.
Para Bachir, o apelo é condizente com os comunicados da Frente POLISARIO emitidos em resposta à resolução do Conselho de Segurança da ONU, adotada em outubro. A proposta foi apresentada pelos EUA e respaldada pelo chamado “Grupo de Amigos do Saara Ocidental”, que inclui França e Espanha, potências com papel direto no impasse. O texto limitou-se a temas técnicos como a extensão usual do mandato da MINURSO, desta vez para um ano, ao invés de seis meses, e fez um retórico apelo à insustentabilidade da situação.
O texto não refletiu as observações do secretário-geral da ONU sobre as violações ao cessar-fogo pelo Marrocos ou a limitação da ação da MINURSO pela potência ocupante nem suas violações dos direitos humanos dos saaráuis, por exemplo, e deu insuficiente atenção ao direito de autodeterminação, motivo pelo qual representantes da Rússia e da África do Sul se abstiveram na votação.
Bachir informou ao Confidencial Saharaui que predominou no Congresso o apelo pela retomada da luta armada como saída do impasse, em acordo com o respeito à legalidade e o direito internacional. Desde as décadas de 1960 e 1970 a ONU reconhece a legitimidade da luta de um povo, “por todos os meios possíveis”, contra a dominação estrangeira.
Mesmo assim, Brahim Ghali prometeu intensificar o reforço do Exército de Libertação Popular Saaráui (ELPS) e diversificar o programa de formação e treinamento, enquanto afirmou que os dirigentes da Frente POLISARIO estão chamados a dar um passo qualitativo para reforçar a exigência de uma solução política, informa o Confidencial Saharaui.
“O povo saaráui continuará o combate até recuperar a soberania”, ressaltou o presidente, citado pelo jornal. Ghali reforçou que a RASD está disposta a trabalhar com seus vizinhos e outras nações do mundo e que o povo saaráui é um povo de paz, que busca a cooperação pela independência e o fim do conflito. Destacou, neste sentido, o papel consistente da Argélia no respaldo ao povo saaráui, em todas as dimensões.
O presidente disse ser preciso “reforçar e ativar as iniciativas no exterior, centrando-se nos dirteitos humanos, nos recursos naturais, no aspecto jurídico e nos meios de informação.” Mesmo assim, garantiu que o ELPS “está disposto a enfrentar todas as situações”.