Durante a Semana de Solidariedade com os Prisioneiros Políticos Palestinos, entre 2 e 8 de setembro de 2016, uma delegação de ex-prisioneiros e prisioneiras visitou a Argentina para visitas e debates sobre a sua situação. Nos dias 5 e 6, o Comitê Argentino de Solidariedade com o Povo Palestino e a Federação de Entidades Argentino-Palestinas organizaram um Foro Argentino pelos Prisioneiros Políticos Palestinos, reunindo diversas organizações e movimentos solidários à luta contra a ocupação israelense e pela libertação da Palestina. A presidenta do Cebrapaz e do Conselho Mundial da Paz, Socorro Gomes, participou do evento. Leia a sua fala a seguir.
A comitiva palestina à Argentina foi composta por Issa Qaraqe (ministro da Autoridade Nacional Palestina para Assuntos dos Prisioneros Políticos, que deu uma entrevista ao site Resumen), Qadura Fares (integrante da Associacção de Prisioneiros Palestinos) e os ex-prisioneros Abeer Al Wahedi, Fidaa Abulatifa, Malak Khatib, Samer Tayyem. Na visita, participou também o embaixador da Palestina na Argentina, Husni Abdel Whahed, e membros da Federação de Entidades Argentino-Palestinas, a Liga de los Derechos del Hombre e a Asamblea Permanente de los Derechos Humanos.
Já no Foro, o debate centrou-se na situação das prisões e envolveu o ministro Qaraqe; o aclamado escritor Adolfo Pérez Esquivel; Nora Cortiñas, do movimento Madres de la Plaza de Mayo; Jorge Taiana, presidente do Parlamento do Mercosul (Parlasur); e Socorro Gomes, presidenta do Cebrapaz.
No dia seguinte, o evento promoveu um diálogo entre os ex-prisioneiros políticos latino-americanos, com Anahit Aharonian (Uruguai), Alicia Lira (Chile), Ricardo Canese (Paraguai), e os ex-prisioneiros palestinos que compunham a delegação. Em seguida, um diálogo com os ex-prisioneiros palestinos abordou a dimensão psicosocial do seu encarceramento e, na conclusão, a delegação palestina econtrou-se com trabalhadores e organizações sociais, políticas e estudantis.
A jovem Malak Khatib destacou-se pelo relato contundente sobre o seu período em uma prisão israelense aos 14 anos de idade, representando as centenas de crianças que passam pelo cárcere sionista todos os anos.
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Os oradores centraram-se na denúncia da violação do Direito Internacional Humanitário por Israel, destacando, como fez Jorge Taiana, a detenção administrativa, modalidade segundo a qual as forças israelenses podem deter suspeitos por períodos renováveis de seis meses sem que haja uma condenação formal ou até julgamento. Os palestinos e palestinas nas prisões também denunciam maus-tratos e tortura. Atualmente, apontou Socorro Gomes, há mais de sete mil palestinos encarcerados por Israel, inclusive mais de 700 em detenção administrativa e centenas de crianças.
O Foro também apresentou, no último dia, uma veemente declaração de solidariedade com os prisioneiros políticos e o povo palestino. Acesse a íntegra aqui (em espanhol).
Leia a seguir a fala de Socorro no evento:
Companheiros e companheiras,
Antes de mais, quero agradecer o convite para este importante momento de discussão, principalmente diante do agravamento acelerado da virulência da ocupação sionista da Palestina. A solidariedade internacional ao povo palestino faz-se cada vez mais essencial no caminho da justiça, contra a violência dos seus algozes.
As questões dos prisioneiros políticos e dos refugiados palestinos são centrais na luta pela libertação nacional e pela justiça diante de tantas décadas de despojo, massacre, opressão, roubo, repressão e genocídio em que se assenta a política criminosa do Estado de Israel. São ambas de um simbolismo tremendo tanto na tentativa israelense de aplastar a mobilização e a resistência quanto na resiliência do bravo povo palestino, na sua unidade e na sua força diante de um dos maiores Exércitos do mundo, que ocupa suas terras e suas vidas.
Notou-se recentemente que o sistema carcerário israelense bateu um novo recorde, aprisionando o maior número de palestinos e palestinas dos últimos oito anos. O recorde anterior era o resultado da escalada sustentada e agressiva da repressão contra a resistência palestina à ocupação sionista, pouco depois dos pesados anos da segunda intifada, a revolta popular palestina.
Hoje, a ocupação israelense aprisiona em seus cárceres cerca de sete mil palestinos e palestinas, seja em território ocupado da Palestina ou no de Israel, o que é, aliás, mais uma grave violação do Direito Internacional. Entre estes, sete são parlamentares e 350 são crianças, submetidas também a um sistema judicial militar que monta a farsa do julgamento daqueles acusados, por vezes sem base, de crimes tão corriqueiros como o lançamento de pedras contra soldados protegidos e veículos blindados.
Também entre os sete mil encarcerados estão 750 palestinos e palestinas – inclusive três parlamentares – sob “detenção administrativa”, o arbitrário e repulsivo mecanismo que Israel herdou da colonização britânica, que prevê a detenção de “suspeitos” sem acusação formal, sem julgamento e muitas vezes sem acesso à defesa por períodos renováveis de seis meses. Os detidos podem passar meses e até anos encarcerados sem que um julgamento os condene de qualquer crime.
As audiências costumam ser postergadas repetidamente e as visitas familiares são escassas, além de extremamente controladas, inclusive no caso das crianças. Além disso, nas audiências, são permitidas “evidências secretas”, às quais a defesa dos detidos não tem acesso. Oras, numa democracia, o respeito ao devido processo legal e ao direito das pessoas a uma defesa decente não seria sequer discutível! Mas os sucessivos governos israelenses, cada vez mais virulentos e comandados por uma tropa sedenta do sangue palestino, não têm qualquer preocupação, é evidente, com a proteção dos direitos civis e políticos mais essenciais de qualquer palestino.
O encarceramento massivo é claramente uma tática da liderança sionista em sua estratégia abrangente de desmobilizar os palestinos para enraizar sem dificuldades a ocupação da Palestina ou avançar, como tem avançado, na tentativa de anexação ilegítima dos seus territórios. Por isso, além do encarceramento, as forças israelenses ainda submetem os palestinos a detenções violentas, a tratamento cruel ou à tentativa de isolamento nas prisões e à arbitrariedade contra as quais muitos têm protestado através de extensas greves de fome.
Diante do despojo e da humilhação diária, a resistência é crescente e não surpreende, dada a valentia do povo palestino ao longo de décadas de colonização e ocupação. Por isso, as campanhas internacionais pela libertação dos prisioneiros políticos e a denúncia contundente e reiterada do encarceramento dos palestinos enquanto mais uma das táticas da ocupação sionista devem ser fortalecidas.
Da mesma forma, a luta pelo direito dos refugiados palestinos ao retorno deve ser ampliada e aprofundada. À medida em que Israel expande a ocupação da Palestina, usurpando territórios para a construção ou expansão de grandes colônias ilegais, a situação dos refugiados agrava-se.
Como todos sabemos, no processo de colonização da Palestina pelo império Britânico, que assentou as bases para a criação do Estado de Israel, milhares de palestinos e palestinas foram expulsos de suas terras, quando não massacrados. A história recente da Palestina, evidentemente, é uma história de genocídio e despojo. No processo da Nakba, a catástrofe palestina que culminou em 1948, cerca de 800 mil palestinos foram expulsos de suas casas ou terras, enquanto mais de 500 vilas eram destruídas pelas forças sionistas.
Na Jordânia, no Líbano, na Síria e também na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, para não falarmos dos palestinos na diáspora forçada em outras partes do mundo, os campos de refugiados da Organização das Nações Unidas (ONU) abrigam hoje cerca de 1,5 milhão de palestinos. Aqueles residentes em campos de refugiados na Faixa de Gaza e na Cisjordânia foram expulsos do território em que hoje se assenta o Estado de Israel, enfrentando novas situações de deslocamento forçado ou fuga da guerra constante e da ocupação. Foi o que aconteceu na ofensiva de Israel contra Gaza em 2014, onde além da devastação recorde, mais de 2.200 palestinos foram massacrados em cerca de 50 dias de bombardeios e outros tantos tornaram-se refugiados pela segunda ou terceira vez.
As discussões sobre a situação dos refugiados palestinos, assim como a dos prisioneiros, são postergadas ou tergiversadas pela liderança sionista sistematicamente. As vozes mais racistas e agressivas dos sucessivos governos, como é o caso do próprio primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, tratam do assunto como uma “guerra demográfica”, temendo que o respeito ao direito dos refugiados ao retorno, como estabelece a resolução 194 adotada pela ONU ainda em 1948, ponha em causa o projeto colonialista de Israel e comprometa a maioria populacional judaica — hoje, os palestinos são cerca de 20% da população de Israel. A narrativa é uma de forçada interpretação religiosa da violência, o que, como sabemos, não podia estar mais distante da realidade. O racismo institucionalizado e a violação do direito dos refugiados ao retorno são componentes fundamentais da ocupação israelense da Palestina e da segregação dos palestinos que são cidadãos de Israel.
Ao contrário do consenso internacional e das posições de mais de 140 países, o governo do Estado de Israel continua inovando em meios e métodos para reprimir a luta nacional palestina por libertação, ignorando o apoio massivo ao estabelecimento do Estado da Palestina ou o direito do povo palestino à autodeterminação.
As lutas dos refugiados e dos prisioneiros são bandeiras centrais da solidariedade internacional contra a arbitrariedade da repressão e a tentativa de intimidação ou isolamento dos palestinos. Os povos mobilizam-se, inspirados pela resistência histórica e heroica dos palestinos, para denunciar a ocupação e anunciar o fim dos seus dias. Movimentos sociais e indivíduos de todo o mundo, assim como cada vez mais governos cientes da insustentabilidade dessa realidade, isolam a liderança sionista, os algozes do povo palestino, os carcereiros de um povo valente e os criminosos de guerra que não tardam a estar no banco dos réus na História.
A ocupação da Palestina tem seus dias contados. A solidariedade internacional pela libertação dos prisioneiros políticos e pelo retorno dos refugiados, assim como pela soberania do Estado da Palestina, fortalece-se na luta diária de cada palestino e cada palestina.
Pela imediata libertação dos palestinos presos pelo Estado de Israel!
Pela Palestina livre e soberana!
Socorro Gomes
Argentina, 5 de setembro de 2016.