O imperialismo é a representação de um mundo arcaico

Intervenção de Wevergton Brito Lima, vice-presidente do Cebrapaz, no 8º Seminário Internacional pela Paz e pela Abolição das Bases Estrangeiras, em Guantánamo, nos dias 4 e 5 de maio de 2024.

Estimado camarada Fernando González, herói da República de Cuba, presidente do ICAP

Estimados companheiros e companheiras,

É com grande alegria que encontro vocês, camaradas irmanados pela paz mundial.

Agradeço de coração ao ICAP e ao povo cubano pela acolhida sempre calorosa.

A coragem e a fraternidade do povo cubano, sentimentos expressos em meio a um cenário de grandes dificuldades, nos incentivam e reforçam a convicção de que a vitória contra o imperialismo será alcançada.

Camaradas,

É necessário fazer um breve retrospecto desde o último seminário contra as bases militares, em maio de 2022.

Nestes dois anos, nossos prognósticos sobre as ameaças à paz mundial, infelizmente se confirmaram.

A guerra instigada pela Otan, envolvendo Rússia e Ucrânia, segue sem um horizonte de resolução política.

Em relação a este conflito, o imperialismo planejou, contra a Rússia, abordagens nas dimensões econômica, política e militar.  A esperança de uma combinação no êxito destas três dimensões permitiria provocar uma crise de envergadura na Federação Russa, que resultaria em perda de territórios e, finalmente, na divisão do país, sonho há muito acalentado pelos EUA e seus aliados europeus, desde os tempos da União Soviética.

A derrota da Rússia representaria um enfraquecimento objetivo da aliança Sino-Russa, que propõe novas relações internacionais, baseadas no respeito à Carta das Nações Unidas e, consequentemente, na não interferência nos assuntos internos de países soberanos.

Igualmente representaria um abalo para o BRICS, organismo contra-hegemônico, que tem se fortalecido a cada ano e ampliado sua influência. Por outro lado, deixaria EUA e seus aliados com as mãos livres para investir tudo na luta contra a República Popular da China, considerada por eles como uma “ameaça estratégica”. No entanto, os planos falharam espetacularmente. Senão, vejamos:

Na dimensão Econômica – Através de um sem-número de sanções, o imperialismo visava sufocar a economia russa, levando-a ao desastre. Recordemos a declaração da senhora Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, que em dezembro de 2022 garantiu que a economia russa seria destruída pelo embargo imposto à exportação de petróleo. Apesar dos prejuízos causados pelas sanções, a Rússia encontrou caminhos alternativos, tendo como fator importante para isso sua aliança com a China, e hoje registra crescimento econômico com índices que superam a maioria dos países europeus.

Na dimensão Política – O poder político e diplomático dos países da Otan foi mobilizado para isolar a Rússia. O Sul Global, em peso, não aderiu a esse movimento e não poucos países explicitamente o rechaçaram. Internamente, Putin, ao contrário de enfraquecer, ampliou sua popularidade.

Na dimensão Militar – A Ucrânia recebeu bilhões de dólares em armamento de última geração, orientação e treinamento militar dos especialistas da Otan, bem como de seus serviços de inteligência. Mesmo assim, a propalada contraofensiva ucraniana de 2023 que, segundo a propaganda atlantista, “iria até a Criméia”, redundou em um enorme fracasso, com o exército russo mantendo e até avançando em posições estratégicas.

Nos países imperialistas surgem contradições frutos dos custos do conflito e às sucessivas derrotas, mas o apoio ao esforço de guerra ucraniano continua, embora enfrentando mais resistências. O regime de Zelensky segue negando-se a negociar a paz, o que só fará por ordens de seus financiadores.

Enquanto assistimos o morticínio incentivado e provocado pela Otan na Ucrânia, prossegue o genocídio do povo palestino, tendo desta vez como pretexto as ações legítimas da resistência anticolonial desencadeadas no dia 7 de outubro de 2023.

O massacre contra a Faixa de Gaza e demais territórios palestinos ocupados é outra tragédia humanitária de dimensões catastróficas cuja culpa recaí sobre o imperialismo, que utiliza o sionismo como instrumento de domínio no Oriente Médio.

Embora o regime racista e genocida de Israel esteja cada vez mais isolado, e enfrente a justa indignação de povos e nações, o fato é que o massacre continua, bem como continua existindo o risco de ampliação do conflito.

A mão assassina do sionismo israelense deve ser detida e para isso devemos fortalecer a denúncia e aumentar a mobilização em defesa do Estado Palestino independente, como fazem, por exemplo, os estudantes estadunidenses. A constituição de um Estado Palestino com fronteiras anteriores à ocupação em 1967 e tendo Jerusalém Leste como capital é o único caminho que pode levar à paz no Oriente Médio.

No estreito de Taiwan e na península coreana, o imperialismo segue arquitetando provocações e armando até os dentes forças reacionárias, títeres de seus interesses, visando atingir a República Popular da China e a República Popular Democrática da Coreia.

Todo o investimento em bloqueios, ameaças de guerra e guerras propriamente ditas, serve a dois objetivos principais do imperialismo: enriquecer a indústria armamentista, principalmente a indústria estadunidense de armas e manter um estado constante de conflagração, como forma de chantagem na tentativa de sustentar uma hegemonia ameaçada pelo mundo multipolar que se afirma.

O mundo multipolar já é uma realidade. Os países do Sul Global, depois de décadas, ousam levar suas vozes e não aceitam mais submissos às ordens do império. No continente africano, notadamente, diversos países levantam-se contra os grilhões do neocolonialismo, colocando em xeque pilares básicos da dominação imperialista europeia. Porém, o mundo multipolar, embora permita maior margem de manobra aos países em desenvolvimento, não significa um mundo de paz. Pelo contrário, as tensões tendem a aumentar.

O Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri) aponta que em 2023 os gastos com a indústria de guerra somaram 2,43 trilhões de dólares, com os EUA liderando com folga esse ranking macabro. Para se ter uma ideia, os nove países que ocupam da 2ª à 9ª posição nesta tabela (China, Rússia, Índia, Arábia Saudita, Reino Unido, Alemanha, Ucrânia, França e Japão), somados, não alcançam o gasto dos EUA em armas. Isso sem contar os custos de manutenção das centenas de bases militares americanas espalhadas pelo mundo, inclusive, lamentavelmente, no território soberano de Cuba, em Guantánamo.

Em nossa América Latina, o imperialismo continua atacando com ódio e sem trégua os países que ousam afirmar sua soberania, com destaque para a Nicarágua, a Venezuela e principalmente nossa querida Cuba, que sofre o mais implacável bloqueio, causando um sofrimento inaudito para o seu povo.

A imoralidade do bloqueio é gritante diante do repúdio praticamente unânime dos países da ONU e fica ainda mais repugnante quando o governo ianque alega, para manter o cerco, uma suposta defesa dos direitos humanos, sendo este o mesmo governo que financia e incentiva o genocídio palestino em Gaza e que se alimenta do sangue provocado pelas guerras que promove. Esse escárnio dos EUA contra a dignidade e a consciência humana deve ter e terá um fim.

Isso porque apesar de contar ainda com um formidável poder bélico, político, midiático e diplomático, um fato inescapável da realidade atual é o visível declínio da hegemonia estadunidense, acompanhada de dois fenômenos que podem acelerar subitamente esta decadência: a desmoralização da liderança americana diante do mundo e uma crise política interna aguda, que está dividindo o país.

Um dos subprodutos da crise do capitalismo é o fortalecimento da extrema-direita em escala mundial. O neofascismo é um instrumento à disposição do imperialismo para sufocar a luta dos povos por soberania e justiça social, mas também é revelador de sua profunda crise e de seus impasses.

Embalados pela agressividade do império em declínio, surgem em nossa América, fortes expressões de extrema-direita e mesmo neofascistas, notadamente no Brasil e no Chile, sendo que na Argentina e em El Salvador personagens de extrema-direita ocupam o governo central.

Contudo, a correlação de forças tem mudado de forma favorável à defesa da soberania e à paz em nossa região. Vitórias recentes de líderes de esquerda e de centro esquerda no Brasil, Colômbia, Chile, Honduras, Guatemala, somam-se aos governos do México, Bolívia, Nicarágua, Cuba e Venezuela, o que abre novas perspectivas de retomar o processo de integração solidária regional, reafirmando o que foi decidido em 2014 por 33 nações reunidas na Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe (CELAC), em Havana, quando se proclamou a América Latina e o Caribe como Zona de Paz.

Essa proclamação, que tem o objetivo explícito de “enterrar para sempre o uso e a ameaça do uso da força na região”, deve ser defendida ativamente pelos militantes internacionalistas.

Queridos e queridas camaradas, em 2022, quando estive aqui neste seminário, o Brasil ainda estava sob a égide do governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro.

Durante a presidência de extrema-direita subordinada ao imperialismo e com fortes laços com o sionismo, o Brasil foi um ator canhestro na cena internacional, adotando posições incompatíveis com os interesses nacionais e latino-americanos, semeando e fortalecendo visões ultraconservadoras. No plano interno a fome voltou a ser uma realidade para milhões de famílias, o patrimônio público foi dilapidado, a democracia foi fragilizada, a atuação das Centrais Sindicais e do Movimento Social era alvo de tentativas de criminalização.

Como todo o movimento social brasileiro, o CEBRAPAZ também sofreu fortes restrições em sua atuação. Mesmo assim, podemos afirmar que nossa entidade, em que pese as dificuldades, cumpriu com altivez as tarefas que a luta pela paz e anti-imperialista nos exigia.

Estivemos totalmente envolvidos na luta antifascista. Participamos ativamente da Frente Fora Bolsonaro e ajudamos a convocar diversas manifestações contra a extrema-direita.

A vitória de Lula, em outubro de 2022, e sua posse, em janeiro de 2023, foram conquistas da luta do povo brasileiro, que venceu uma poderosa máquina financeira e de propaganda a serviço do neofascismo.

Logo ao assumir, o governo Lula colocou como prioridade de sua agenda externa a integração latino-americana. O Brasil retomou a participação na CELAC e na Unasul, normalizou as relações políticas e diplomáticas com os povos irmãos de Cuba e Venezuela e trabalha tenazmente para reforçar espaços multilaterais do Sul Global.

Na questão do conflito entre Ucrânia-OTAN contra a Rússia, o governo brasileiro negou o envio de munição à Ucrânia e adotou a posição de privilegiar uma saída negociada, condenando o fornecimento de armas do Ocidente à Ucrânia, denunciando que esta era uma forma de prolongar a guerra.

Em relação ao genocídio contra o povo palestino, promovido pelo Estado racista de Israel, apesar de sofrer grande pressão e levando-se em conta a correlação de forças externa e interna, a posição assumida pelo Brasil é, em sua essência, corajosa e correta. O presidente Lula disse com todas as letras, para indignação dos sionistas, que Israel pratica o Holocausto contra os palestinos e que a solução de fundo é a constituição do Estado Palestino soberano, com fronteiras internacionalmente reconhecidas, de acordo com as resoluções da ONU.

Em dezembro de 2023, o Cebrapaz realizou sua 6ª Assembleia Nacional, na cidade de São Paulo. Nela, foi eleita uma nova direção, capitaneada pelo camarada José Reinaldo Carvalho, que envia a este seminário calorosas saudações solidárias. José Reinaldo, importante referência brasileira da luta internacionalista, sucedeu o camarada Jamil Murad, veterano amigo de Cuba, da Palestina e de todos os povos em luta, e que permanece em seu posto de combate, na Executiva Nacional do Cebrapaz.

Permito-me citar um trecho da resolução da nossa 6ª Assembleia:

“No Brasil, o combate contra a extrema-direita não é uma tarefa superada com a vitória sobre Bolsonaro, pelo contrário. Apesar de derrotada, a extrema-direita continua influente e mobilizada.

Para travar em melhores condições esta contenda decisiva, é preciso intensificar a atividade internacionalista anti-imperialista, através da qual contingentes cada vez maiores de pessoas elevam sua consciência política, ligando o que acontece fora do nosso país com os dilemas e contradições que enfrentamos internamente. Esta tomada de consciência sobre a importância do internacionalismo tem dois efeitos benéficos: fortalece o trabalho de solidariedade aos povos em luta e reciprocamente nos prepara melhor para enfrentar e vencer os títeres do imperialismo que tentam escravizar e submeter o povo brasileiro”.

Camaradas,

O imperialismo é a representação de um mundo arcaico, superado e podre, que ainda sustenta, em pleno século 21, situações coloniais inaceitáveis, como a ocupação do Saara Ocidental pelo Marrocos, a ocupação de Porto Rico, a ocupação das Malvinas argentinas, além da já mencionada ocupação da Palestina, entre outros casos.

Ao povo cubano, palestino, saarauí, porto-riquenho, argentino, nicaraguense, chinês, russo, iraniano, coreano, venezuelano, aos povos africanos que se rebelam contra o neocolonialismo e a todos os povos em luta pela liberdade, nossa indeclinável solidariedade.

Viva Cuba Socialista!

Viva a Luta dos Povos!

Viva a paz mundial e abaixo o imperialismo!