ARTIGO: Raízes Profundas, Feridas Abertas

Por Gustavo Guerreiro*

No cenário geopolítico contemporâneo, a questão Israel-Palestina emerge como um dos mais intrincados e dolorosos conflitos, evocando discussões profundas sobre direitos humanos, ordem internacional, territorialidade e a busca pela paz. O colonialismo sionista de Israel convoca a atenção global para as nuances e as consequências de um massacre que se estende por décadas.

A realidade vivenciada entre Israel e Gaza constitui um espelho das divisões que transcendem fronteiras, mergulhando na essência do que significa a humanidade compartilhada. A situação, exacerbada por recentes ataques a hospitais, creches e campos de refugiados e pela celeuma (muito mais interna do que externa) desencadeada pelas comparações feitas pelo presidente Lula entre as ações israelenses e os horrores do regime nazista, destaca a desesperada luta por reconhecimento e justiça ao povo palestino em meio ao caos.

A resposta inflamada de Netanyahu, defendendo a memória do Holocausto, não serve como um contra-argumento, reflete como o sionismo manipula a complexidade e a sensibilidade que envolvem a memória coletiva e a interpretação histórica. Isso revela o mesmo método e mesma lógica quando tratam da ocupação e expansão territorial nesses 75 anos desde a criação do Estado de Israel se considerarmos a data de sua admissão na ONU, que é a data geralmente utilizada para marcar o seu aniversário. Este diálogo/tensão evidencia a dolorosa verdade de que, em algumas narrativas, certas vidas são tacitamente consideradas mais valiosas que outras, uma suposição perigosa que alimenta o ciclo de violência e sofrimento.

O filósofo espanhol Ortega y Gasset falava de um tecido de verdades que se molda ao sabor do tempo e do poder. Assim, o “tecido de verdades” que compõe a visão de mundo de cada indivíduo é constantemente tecido e retecido, moldado pelas forças do tempo e do poder. As ideias que são consideradas “verdadeiras” em um determinado momento histórico podem ser contestadas e até mesmo refutadas em outro momento, à medida que as circunstâncias mudam e novas relações de poder se estabelecem.

A comparação entre as atrocidades nazistas e as ações do governo israelense, embora seja um terreno polêmico, chama a humanidade para uma reflexão moral profunda sobre a natureza da guerra neocolonial e suas vítimas. Esta analogia não busca diminuir a gravidade do Holocausto, mas sim provocar um questionamento crítico sobre a moralidade das ações empreendidas por Israel na “guerra aos terroristas” (aliás, a guerra ao terror tem sido o mesmo argumento que colocou os EUA em território paquistanês, o que resultou em um desastre total naquele país). As estatísticas devastadoras de Gaza, com milhares de vidas perdidas, em sua maioria crianças e mulheres, lançam uma sombra sobre os princípios éticos que deveriam guiar as nações. A impressão que se tem é de que a ordem internacional é apenas um mero castelo de areia em frente ao mar.

É preciso reconhecer que a narrativa que pinta o Hamas como o único vilão nesta história é falsa e ignora o processo histórico complexidade inerente ao conflito. A resposta desproporcional de Israel, marcada por um genocídio e deslocamento massivo da população de Gaza, revela uma disposição alarmante para a punição coletiva, afetando sobretudo civis inocentes. Seria o equivalente ao Exército bombardear uma favela para eliminar membros de uma facção criminosa.

A memória sagrada das vítimas do Holocausto, invocada frequentemente em defesa das ações de Israel, clama por paz e não por mais violência. O legado do judaísmo, enraizado em uma história de sofrimento e resiliência, não endossa as práticas de um governo que escolhe a morte e o massacre. A tradição profética do judaísmo, que critica Israel por seus desvios, nos lembra de que nenhum povo está isento de arrependimento e da busca incessante por justiça.

O ato de Lula de destacar as injustiças cometidas pelo governo israelense contra os palestinos e contra a humanidade não deve ser visto como difamação, mas como um chamado urgente à ação e à consciência global. Exige-se não desculpas, mas responsabilidade por crimes contra a humanidade.

Este texto é mais do que uma reflexão; é um apelo à empatia, à justiça e à coragem de enfrentar lobbys poderosos e verdades desconfortáveis. No mundo atual, onde vozes poderosas frequentemente silenciam verdades inconvenientes, o sofrimento em Gaza sob a égide do colonialismo sionista de Israel demanda uma atitude corajosa e um posicionamento global unificado. Lula faz sua parte. Apenas reconhecendo a humanidade compartilhada e aspirando à paz poderemos vislumbrar um futuro onde ela não seja um ideal distante, mas uma realidade tangível para todos, independentemente de nacionalidade ou história.

*Gustavo Guerreiro é sociólogo e Diretor de Pesquisas do Cebrapaz.