O Secretariado do Conselho Mundial da Paz (CMP) reuniu-se em Belgrado, Sérvia, nesta quinta-feira (21), tendo como anfitrião o Fórum de Belgrado por um Mundo de Iguais, no contexto do 25° aniversário dos bombardeios da Iugoslávia pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). O Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (CEBRAPAZ) foi representado pela diretora executiva Moara Crivelente. A resolução final e o plano de ações podem ser lidos aqui.

A reunião do Secretariado do CMP começou com uma fraterna homenagem a Alfred Marder, histórica liderança do Conselho da Paz dos EUA e do próprio CMP, e Chirs Matlhako, coordenador da Iniciativa Sul-Africana pela Paz (SAPI) e coordenador do CMP na África, que faleceram no último ano, mas deixam vivos legados de compromisso com a luta anti-imperialista.
A reunião foi expandida para membros do CMP que não integram o órgão de 13 entidades e, portanto, participaram 26 delegados de 19 entidades de diversas regiões.
Com a palavra de abertura, o Presidente do Fórum de Belgrado, Zivadin Jovanovic, afirma que as bombas despejadas durante quase 80 dias pela OTAN sobre a Iugoslávia em 1999 caíam não só sobre o país, mas também sobre as próprias fundações da ordem pós-Segunda Guerra. Com as ações do CMP, ele continua, “mostramos que somos contra o uso da força, pela paz, contra a OTAN, por relações internacionais democráticas em que todas as nações, independentemente do seu tamanho, são tratadas igualmente, e não geridas por potências que só se preocupam com os seus próprios interesses.”
“Temos caminhado em uma direção que só causa preocupação e incertezas por causa do hegemonismo imperial, mas por outro lado, a maioria do planeta defende relações democráticas baseadas em igualdade soberana, sem intervencionismo, hegemonismo ou expansionismo,” disse Jovanovic.
Em seguida, o presidente do CMP, Pallab Sengupta, da Organização Toda-Índia pela Paz e a Solidariedade (AIPSO), iniciou o seu discurso enfatizando que os bombardeios da OTAN contra a Iugoslávia deixaram profundas consequências sentidas até hoje. Além disso, Sengupta notou que a situação do planeta tem se deteriorado e se aproxima de uma catástrofe global.
Começando pelas evidências materializadas pela guerra indireta entre a OTAN e a Rússia na Ucrânia e a guerra genocida de Israel contra Gaza, enquanto o complexo militar industrial continua lucrando com esses conflitos e a ameaça de uma guerra nuclear, Sengupta também denunciou a ascensão da direita e suas vitórias eleitorais na Europa e em outras regiões, com “ideologias venenosas de divisão e ódio” que precisam ser combatidas, e a competição pela captura de mercados e recursos naturais na região Ásia-Pacífico que provoca conflitos e levanta sérias preocupações pela paz e a estabilidade no mundo. Mas foi no genocídio em curso na Palestina que o discursou prestou mais atenção, não apenas denunciando as suas consequências devastadoras e ressaltando as ações de solidariedade do CMP e outras forças da paz, como também o fato de as ações de Israel serem mais uma evidência de desprezo pelas resoluções da ONU e a opinião pública contrária ao massacre e a opressão do povo palestino.
Finalmente, Sengupta apontou que o CMP tem enfrentado desafios na sua mobilização, mas deve reforçar o empenho por cumprir os compromissos assumidos na última Assembleia, em Hanói, em 2022, por exemplo, ampliando o CMP e fortalecendo alianças com organizações amigas em prol da unidade na luta pela paz, a justiça, a soberania popular e nacional, o progresso comum e um mundo livre da ocupação, a opressão, o colonialismo, a exploração, o imperialismo e a guerra. “Tempos exigentes exigem que façamos frente aos desafios. Pelo bem da humanidade, a paz e o progresso, é tempo de agirmos. A bandeira da paz que nos foi legada pelos brilhantes líderes do movimento da paz nos demanda corresponder à ocasião e levar adiante o seu legado histórico”, conclui.
Em seguida, o secretário-geral do CMP Thanassis Pafilis, do Comitê Grego pela Distensão Internacional e a Paz (EEDYE), também iniciou a leitura do seu relatório afirmando a denúncia aos bombardeios da OTAN e as suas consequências para o povo sérvio e o mundo. Destacando os compromissos da Assembleia de Hanói, Pafilis notou que o CMP não pôde realizar as reuniões e missões planejadas na Síria e em Bangladesh, mas realizou três reuniões regionais da Ásia-Pacífico, no Nepal, das Américas e Caribe, no México, e da Europa, na Alemanha, além de ter participado no encontro de solidariedade com Cuba na África do Sul. Nesta ocasião também se retomaram as discussões sobre o restabelecimento da rede do CMP na África, em coordenação com Iniciativa Sul-Africana pela Paz (SAPI).
Pafilis fez ainda uma longa exposição sobre as diferentes situações preocupantes no mundo, como aquela que também classificou como uma guerra entre a OTAN e a Rússia em curso em território da Ucrânia, notando que há diferenças de perspectiva no seio do CMP sobre o papel da Rússia, mas há convergência sobre causas principais das tensões, que são as ameaças e crescentes provocações pela OTAN, especialmente demonstradas no “golpe de Estado” de 2014 que “colocou forças reacionárias e pró-nazistas no poder, com o respaldo dos EUA e da União Europeia,” os ataques contra a população russa em Donbass e outras regiões. “Os EUA, a OTAN, e a UE têm usado essa guerra para promover os seus planos”, diz Pafilis, inclusive a expansão da aliança, com a adesão da Finlândia e da Suécia no mesmo contexto belicoso, movido pela russofobia, que também move a disseminação de mais bases e dos gastos militares.
O secretário-geral transmitiu a solidariedade do CMP ao povo martirizado da Palestina e o respaldo à solução de dois Estados, nas fronteiras anteriores à guerra de 1967, quando Israel ocupou o território destinado ao Estado da Palestina pela ONU em 1947. Reforçou ainda algumas das posições reiteradas e prioridades listadas pela Assembleia de Hanói, como o apoio à luta do povo saarauí pela independência da República Árabe Saarauí Democrática (RASD), proclamada há 48 anos, à resistência do povo sírio, e à reunificação do Chipre, passados 50 anos da invasão e ocupação de parte da ilha pela Turquia; e a demanda pelo fim das sanções contra a Venezuela e a Nicarágua e do bloqueio criminoso dos EUA contra Cuba, das provocações dos EUA e seus exercícios militares na Península da Coreia, e das armas nucleares.
Finalmente, Pafilis destacou que o CMP cumpre mais um aniversário sob o banner “75 anos de Luta por um Mundo de Paz e Justiça Social, ao Lado dos Empobrecidos e Oprimidos”. Afirmando que esta é uma oportunidade para expandir e ampliar a ação da entidade nos diversos países, fica proposta uma campanha para tal, a decorrer por um ano, de abril de 2024, o mês dos congressos fundacionais em 1949 e 1950, até abril de 2025.
Em seguida, foram lidos os relatórios dos coordenadores da região Ásia-Pacífico, por Ram Janak Katwal, do Comitê da Paz e Solidariedade do Nepal; Europa, pela presidente do Conselho Português da Paz e Cooperação, Ilda Figueiredo; do Oriente Médio, por Akel Taqaz, coordenador do Comitê Palestino da Paz e Solidariedade. Os relatórios da América e da África, cujas coordenações estão em transição, ficaram pendentes, mas os novos coordenadores, Fernando González, do Instituto Cubano de Amizade com os Povos (ICAP) e Benedict Martins, coordenador da SAPI, também transmitiram as suas perspectivas à reunião.
A reunião envolveu ainda o debate sobre o funcionamento e a organização do CMP, com a candidatura de novos membros na Espanha, por exemplo; as ideias e propostas para um plano de ação para o próximo período; e um comunicado final que sintetize a visão da entidade sobre a atual conjuntura e as suas tarefas. No plano de ação, terão destaque as seguintes iniciativas:
- Campanhas pela remoção de Cuba da lista estadunidense de países apoiadores do terrorismo e pelo fim do bloqueio criminoso também imposto pelos EUA à Maior das Antilhas;
- Campanhas de apoio à iniciativa sul-africana no Tribunal Internacional de Justiça contra Israel, com a denúncia do genocídio do povo palestino, e de arrecadação de apoio humanitário aos palestinos em Gaza;
- Realização de atividades, pelas entidades nacionais, no Dia Internacional de Ação em Solidariedade com o Povo da Venezuela, em 19 de abril de 2024;
- Mobilização para a participação e o apoio ao 8º Seminário Internacional pela Paz e Contra as Bases Militares Estrangeiras, em 4 e 5 de maio de 2024 em Santiago de Cuba;
- Ações contra a OTAN e possível evento do CMP em Washington, à margem da Cúpula da OTAN, em julho de 2024;
- Conferência sobre os 50 anos da invasão do Chipre pela Turquia e a possível reunião do Comitê Executivo do CMP no Chipre, em setembro de 2024.
Contribuições e relatos das entidades sobre as dinâmicas mundiais e ações em curso
Martins começou a sua intervenção comentando o Encontro Regional de Solidariedade com Cuba na África do Sul, em que participaram delegados de diversos países de todo o mundo. Focando nos países africanos, Martins afirma que todos os progressistas sabem da história de Cuba e da revolução iniciada em 1959, mas talvez menos sabido é que em 1960 o Departamento de Estado também tinha os olhos postos sobre o apoio popular ao governo liderado pelo comandante Fidel Castro e ao socialismo. Portanto, os EUA empenharam-se por desenvolver métodos para desmantelar dinâmicas revolucionárias como a cubana, a começar por tornar a revolução impopular, impondo a fome e a privação através do bloqueio. Finalmente, Martins informou que a SAPI aproveitou para estreitar laços com participantes de outras entidades para se somarem à rede do CMP na África, como os provenientes do Ruanda, Sudão, e outros países que também foram ou estão assolados por graves conflitos armados e outros processos de desestabilização e exploração neocolonial. O Sudão foi dividido por movimentos contra-revolucionários e o Essuatini (antes chamado Suazilândia) se debate com uma situação quase feudal, enquanto o povo luta contra o regime do rei. No Ruanda, o povo precisa de apoio na superação do genocídio e das suas consequências políticas. No Saara Ocidental, o povo saarauí também enfrenta a ocupação marroquina e a sua luta merece e precisa de apoio, assim como na Nigéria e outros países enfrentando graves situações que precisam de maior atenção. Seus representantes precisam se juntar ao CMP para que as suas preocupações e desafios ganhem maior espaço, afirmou Martins.
O presidente do ICAP, Fernando González, também começou a sua intervenção pelo mesmo evento de solidariedade na África do Sul, informando que haverá novos encontros a nível europeu, na França, em novembro, e asiático, na China, em outubro, em que González convida o CMP a participar. Em seguida, informou o Secretariado sobre a Reunião Regional do CMP no México, recordando que as entidades confirmaram o compromisso com a construção de uma Zona de Paz, proclamada em 2014 pela Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) em Havana. O entendimento é o de que a maior ameaça à estabilidade em todo o mundo vem de um país na região, os EUA, com suas operações militares e a sua política externa ameaçando a paz. Também há conflitos locais, mas do ponto de vista estratégico, é o papel dos EUA e da OTAN o que se destaca.
González informa ainda que o 8º Seminário pela Paz e contra Bases Militares será realizado em 4 e 5 de maio e em 6 e 7 de maio haverá a Reunião Regional do CMP, ambos em Santiago de Cuba. Além disso, comenta a situação na Colômbia, cujas delegações têm negociado o fim do conflito de seis décadas em Cuba, e a manutenção de Cuba na lista estadunidense de países que patrocinam o terrorismo, assim como a continuidade do bloqueio que tanto penaliza o povo cubano e as sucessivas tentativas de desestabilização, inclusive por movimentos contrarrevolucionários apoiados diretamente pelo governo estadunidense.
Em seguida, delegados das entidades do Secretariado e outras da Áustria, Bélgica, Turquia, Líbano, Canadá, Irã, e também a delegada do CEBRAPAZ intervieram para comentar os desafios e as tarefas do movimento da paz. Por exemplo, o delegado do Comitê da Paz do Canadá, Christopher Black, informou sobre as campanhas contra o militarismo no país e pela expansão do movimento da paz, comentando as tentativas de incluir o movimento indígena e a adesão do movimento da paz do Quebec, embora ainda não tenha havido sucesso no primeiro empenho devido ao distanciamento entre o movimento e as reivindicações dos povos indígenas relativamente aos duradouros legados do colonialismo no Canadá. Do Irã, Jamshid Ahmad, da Associação pela Defesa da Paz, da Solidariedade e da Democracia, enfatizou a necessidade de o CMP prestar mais atenção a outras situações gravíssimas, como a guerra corrente no Sudão e a potência das forças contrarrevolucionárias.
Do Conselho Português da Paz e Cooperação (CPPC), Julie Neves denunciou a escalada da guerra promovida pelos EUA e a OTAN na Europa e no mundo e informou o Secretariado das várias iniciativas promovidas pela entidade em Portugal, como manifestações de rua contra a guerra e em solidariedade com Cuba, Palestina, Venezuela, e outras, concertos e um grande encontro nacional pela paz, na sua terceira edição, que reuniu diversas organizações —e em que o CEBRAPAZ participou, transmitindo a saudação dos brasileiros às entidades da paz portuguesas— para evocar os 50 anos da Revolução dos Cravos que derrubou a ditadura e instituiu a defesa da paz e da autodeterminação dos povos na Constituição do país. Do EEDYE, Grigorios Anagnostou também reforçou a denúncia ao envio de armas para as correntes guerras na Ucrânia e Palestina pelos membros da OTAN e relatou as várias iniciativas do comitê grego e entidades amigas contra o envolvimento do país nos planos, guerras e ações imperialistas.
A coordenadora da Assembleia da Paz da Bretanha, Elizabeth Payne, destacou o papel do Reino Unido nas várias guerras mencionadas e o seu legado colonial, quando os britânicos já chegaram a dominar cerca de 25% do planeta, oprimindo assim grande parte da humanidade e continuando a desempenhar um papel principal como aliado dos EUA, membro da OTAN e também patrocinador, por exemplo, de Israel. Payne também falou da importância de combater, por exemplo, novas definições de “extremismo” e outras tentativas de vilanizar o movimento da paz e, por parte do governo.
O delegado do Conselho da Paz dos EUA Bahman Azad apontou para a disputa ideológica que atravessa o movimento da paz, com grandes entidades como o International Peace Bureau (IPB) ocupando espaços graças ao respaldo da UE e de fundações estadunidenses, sob condições como a censura à denúncia do imperialismo. Isto demonstra a necessidade do fortalecimento e da presença do CMP nesses espaços, para que o IPB não possa aproveitar do vácuo para conquistar mais adeptos. O Conselho propõe medidas concretas ao CMP sobre a Palestina e sobre Cuba: apoiar oficialmente e tornar-se membro da campanha internacional que já soma mais de 25 mil organizações em apoio à iniciativa sul-africana na Corte Internacional de Justiça; contribuir uma hora dos salários das pessoas engajadas para prestar assistência ao povo palestino; promover uma campanha internacional pela remoção de Cuba da lista de países patrocinadores do terrorismo.
O presidente do ICAP Fernando González adiciona que um tribunal internacional foi realizado em novembro de 2022 no Parlamento Europeu sobre o bloqueio estadunidense a Cuba e os seus efeitos tanto sobre o povo cubano quanto sobre a soberania dos próprios países europeus, dadas as suas implicações extra-territoriais. González diz que os resultados dessa audiência podem ser usados na campanha prioritária para os cubanos, que é o fim do bloqueio.
A contribuição do CEBRAPAZ, por sua vez, destacou a perspectiva dos militantes brasileiros sobre a situação internacional e sobre as prioridades do enfrentamento ao imperialismo, a solidariedade internacionalista e a construção da paz. A íntegra da fala de Moara Crivelente pode ser lida aqui.
*Diretora especial para questões coloniais e neocoloniais do Cebrapaz.