ARTIGO | Gustavo Guerreiro – Os tentáculos sionistas sobre o Oriente Médio

Por Gustavo Guerreiro*

O Oriente Médio, palco histórico de tensões geopolíticas provocadas pelo imperialismo ocidental, encontra-se mais uma vez imerso em um conflito de proporções alarmantes. O que começou como uma repetição do persistente massacre que Israel impõe à Palestina em Gaza rapidamente se transformou em uma crise regional com potencial de gerar implicações em âmbito global. A recente expansão bélica para o Líbano, com a execução de Fatah Sharif Abu el-Amin, liderança do Hamas, e do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, além dos ataques aéreos contra os houthis no Iêmen e a subsequente reação do Irã a Israel marcam pontos de inflexão determinantes. As tensões têm aumentado em grande escala e ameaçam desencadear uma conflagração de proporções catastróficas.

Charge de Carlos Latuff

A mídia corporativa ocidental alega que o estopim da atual crise remonta a 7 de outubro de 2023, quando o Hamas, em reação aos constantes ataques das IDF à população Gaza e ao avanço da colonização sionista na Cisjordânia, lançou um ataque surpresa. Chama o massacre contra o povo palestino de “Guerra contra o Hamas”. A ofensiva do governo de Benjamin Netanyahu foi imediata e desproporcional. Aquilo que eles chamam de “resposta”, que nada mais é do que o agravamento das violências historicamente cometidas pelos sionistas, desencadeou uma campanha militar de brutalidade sem precedentes contra a população civil de Gaza. O que se seguiu pode ser caracterizado, sem exagero, como um genocídio sistemático e desenfreado contra o povo palestino.

Netanyahu, seu gabinete de guerra e todo o complexo midiático corporativo ocidental justificaram os ataques indiscriminados a hospitais, escolas e campos de refugiados argumentando que o Hamas estaria usando civis como “escudos humanos”. Como se essa mentira fosse suficiente para validar a carnificina. Toda a mídia ocidental imediatamente e com um sincronismo típico de desfiles militares, ecoa as bravatas e argumentos sionistas. Contudo, a evidência empírica e os relatos de organizações internacionais de direitos humanos desmentem categoricamente essas falácias. O que testemunhamos é um ataque deliberado à infraestrutura civil e à população palestina em Gaza. O mesmo começa a acontecer no Líbano.

O bloqueio imposto por Israel à ajuda humanitária, orquestrado pelo carniceiro Ministro da Defesa Yoav Gallant, transformou-se em uma tática de guerra perversa. Seus métodos incluem provocar a fome generalizada, a propagação de doenças e um trauma psicológico coletivo de proporções inimagináveis. As estatísticas são aterradoras: milhares de crianças mortas e mutiladas, famílias inteiras dizimadas, e uma geração condenada a crescer em meio a ruínas e sem nenhuma perspectiva de futuro.

A situação em Gaza evoca, de maneira perturbadora, o conceito de Homo Sacer, elaborado pelo filósofo italiano Giorgio Agamben. Este conceito descreve uma condição na qual indivíduos são reduzidos a “vidas nuas”, despojados de direitos e proteções legais, tornando-se, efetivamente, “matáveis” sem que isso constitua um crime aos olhos do poder soberano. Para o racismo sionista, os árabes, os persas, os curdos, os beduínos e outros grupos étnicos não passam de “despojo humano”.

A justificativa de Netanyahu para os ataques em Gaza, no Líbano e no Irã – a alegação de que os grupos terroristas e seus financiadores querem destruir Israel, que apenas se defende – ecoa a lógica da “exceção” que, de acordo com o pensamento de Agamben, fundamenta a tirania moderna. Neste caso, a exceção, que deveria ser um evento extraordinário, torna-se a regra, normalizando a violência e a suspensão dos direitos humanos fundamentais.

O controle que Israel exerce sobre a entrada de gêneros alimentícios, medicamentos e outros suprimentos essenciais em Gaza, sob a supervisão do general sionista Ghassan Alian, é um mecanismo perverso de biopolítica. A tirania se exerce não apenas sobre o território, mas sobre a própria gestão da vida, decidindo quem tem direito a viver e quem deve morrer.

A invasão terrestre de Israel no sul do Líbano, ordenada pelo Chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel, Herzi Halevi, assinala um ponto de ruptura essencial e não pode ser visto como um simples desdobramento tático, mas como uma decisão estratégica calculada que tende a alterar de forma definitiva a dinâmica das tensões regionais.

A invasão terrestre no Líbano não apenas amplia o teatro de operações, mas também eleva exponencialmente os riscos de um conflito regional mais amplo. O primeiro-ministro libanês Najib Mikati e o secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, encontram-se agora em uma posição delicada. Os sionistas de Israel obrigaram a liderança do Hezbollh a responder a uma agressão que ameaça desestabilizar o já frágil equilíbrio político de seu país e com isso trazer o Irã para sua guerra.

A resposta sem precedentes do Irã contra Israel, com o lançamento de 180 mísseis, em que muitos não foram interceptados pelo caríssimo sistema de defesa israelense, adiciona uma nova e perigosa dimensão ao conflito. Foi uma ação autorizada pelo Líder Supremo do Irã, Ali Khamenei, e executada pelo Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica. Khamenei afirma que se tratou apenas de uma resposta, mas que não tolerará mais ataques de Israel contra alvos em território iraniano ou contra seus aliados. Os sionistas têm feito nos últimos meses justamente com o intuito de provocar uma escalada nas hostilidades regionais e assim envolver potências ocidentais.

Israel dobra a posta com o envio de mais tropas para suas fronteiras e promessas de retaliação feitas pelo Primeiro-Ministro Netanyahu. O cenário de escalada unilateral da guerra sugere que estamos à beira de um conflito regional de larga escala. A mídia ocidental noticia o “sucesso relativo” das defesas israelenses, particularmente o sistema Iron Dome, poderia paradoxalmente encorajar uma postura ainda mais agressiva por parte de Israel em futuras ações militares. O que se observa, de fato, é a fragilidade israelense diante do Irã, um adversário respeitável que já deu uma amostra seu potencial bélico.

O presidente Joe Biden surge como uma figura chave, mas também cercada de controvérsia, nesse momento de intensificação dos conflitos. A postura dos Estados Unidos, com seu apoio “quase incondicional” a Israel, vem sendo alvo de críticas cada vez mais fortes, tanto no cenário global quanto dentro do próprio país. Trata-se de um simulacro. A ação de Israel tem o suporte político, militar e diplomático dos EUA a décadas.

Biden, ao se apresentar como um “aliado frustrado”, na verdade encena uma tentativa inócua de negociação de paz. A oferta permanente de ajuda militar dos EUA a Israel, mesmo com todas as evidências de uso de armamentos e equipamentos de guerra contra civis, principalmente crianças e mulheres, expõe a farsa do compromisso estadunidense com a paz na região. O apoio inabalável aos ataques revela que os EUA não buscam a paz, mas sim manter uma agenda imperialista, mascarada por discursos e manobras diplomáticas.

As mensagens divergentes emanadas de Washington – por um lado, expressões de desaprovação quanto à destruição humanitária em Gaza, e por outro, declarações distorcidas de um “potencial enfraquecimento do Irã” – revelam as contradições inerentes à pretensa “busca pela paz” da política externa estadunidense no Oriente Médio.

Benjamin Netanyahu, figura central neste conflito, tem demonstrado uma grande capacidade de manipular a escalada das tensões para fortalecer sua posição política internamente. Ele tem adotado uma retórica cada vez mais inflamada e negado solenemente os apelos internacionais por moderação. Esse comportamento revela um cálculo político frio, pois vidas humanas são sacrificadas em nome das ambições políticas e ideológicas de um representante de uma agenda racista, colonialista e imperialista sem limites.

A decisão do comando militar de Israel e de Netanyahu de expandir os ataques para o Líbano foi uma manobra calculada para desviar a atenção dos problemas internos e consolidar seu poder em um momento de instabilidade política, dadas as mortes dos reféns e as crescentes manifestações, embora estas representem uma diminuta minoria. Esta estratégia, no entanto, pode arrastar toda a região para uma espiral de violência de consequências imprevisíveis.

As consequências desta escalada são devastadoras em diversos níveis. Em Gaza, o mundo testemunha uma catástrofe humanitária de grande proporção, milhões de civis deslocados, infraestruturas essenciais destruídas e uma crise de saúde pública que começa a mostrar seus efeitos trágicos.

A expansão dos ataques para o Líbano ameaça replicar este cenário de destruição em um país já fragilizado por crises econômicas e políticas. A escalada bélica de Israel provoca um efeito dominó, envolvendo outros atores regionais como o Irã, a Síria e potencialmente outros estados do Golfo.

No plano geopolítico, esta crise representa um teste difícil para a chamada ordem internacional. A explícita impotência das instituições globais, como o Conselho de Segurança ONU e outros fóruns multilaterais em conter os ataques de Israel ou mesmo persuadir seu corpo diplomático ao diálogo entre e proteger civis, levanta questões fundamentais sobre a eficácia dos mecanismos de governança global no século XXI. A ONU padece do mesmo mal que acometeu a Liga das Nações: a impotência em relação aos desmandos de seus Estados-membro mais influentes, especialmente os EUA.

A responsabilidade por esta catástrofe humanitária e geopolítica recai pesadamente sobre os ombros dos principais atores envolvidos: os EUA e seus aliados imperialistas na Europa. O Presidente Biden enfrentará o julgamento da história por sua negligência para exercer uma influência moderadora sobre Israel e por sua cumplicidade tácita na escalada da violência no Oriente Médio e no conflito entre Ucrânia e Rússia.

Netanyahu, por sua vez, será lembrado não como um defensor de Israel, mas como o executor de um massacre que pode alterar irreversivelmente o equilíbrio de poder no Oriente Médio em detrimento dos interesses de médio e de longo prazo de seu próprio país. A ideia inicial do Congresso Sionista de 1897 de criar Eretz Israel (ou Terra de Israel), baseada em um mito bíblico, mas com um propósito geopolítico bastante definido, não tem trazido nada além de décadas de guerras, dor, destruição e uma clima de paz que a população israelense jamais terá.

Estamos diante de um momento crítico na história do Oriente Médio. O risco de uma guerra total, envolvendo diversos atores regionais e potencialmente superpotências globais, é iminente. Os próximos meses irão determinar não apenas o futuro da região, mas o estágio de instabilidade geopolítica em âmbito global.

A comunidade internacional deve se mobilizar de forma definitiva para conter a escalada sangrenta que o sionismo e o imperialismo operam. Isso requer não apenas esforços diplomáticos intensificados, mas também uma pressão concertada sobre todos os atores envolvidos para que cessem as hostilidades e retornem à mesa de negociações. Nesse sentido, uma reforma da ONU e de seu Conselho de segurança são urgentes.

O momento exige uma reflexão aprofundada sobre as estruturas dos Estados-Nação modernos e as dinâmicas das relações internacionais que perpetuam ciclos de violência e exclusão. Embora o mundo esteja sentindo os efeitos dos espasmos de uma ordem unipolar caduca, que vê seu próprio túmulo, somente através de uma reavaliação fundamental dos mecanismos que regem as relações internacionais poderemos esperar construir um futuro onde a paz e a dignidade humana prevaleçam sobre a lógica da guerra e do domínio capitalista.

A história julgará duramente aqueles que, neste momento crítico, provocaram essa escalada da guerra e da violência ao invés do diálogo. Que o mundo tire lições deste conflito e as catalise para uma mudança definitiva na forma como são abordados os desafios globais que teimam em persistir no século XXI.

* Gustavo Guerreiro é doutor em políticas públicas e Diretor de Pesquisas do Cebrapaz.