Entre os dias 8 e 9 de novembro, na cidade de Santa Marta, Colômbia, ocorreu a III Cúpula dos Povos da América Latina e Caribe, fórum paralelo ao encontro da CELAC-UE organizado por movimentos sociais e populares da região com o objetivo de estreitar os laços de solidariedade entre os povos da região. A Cúpula dos Povos contou com a presença do presidente da Colômbia, Gustavo Petro.
A seguir, segue a declaração política final do encontro:
III Cúpula Social dos Povos da América Latina e do Caribe
Por uma integração econômica, social e cultural, com plena democracia, soberania e paz!
Santa Marta – Colômbia, 8 e 9 de novembro de 2025
Reunidos/as na cidade de Santa Marta, Colômbia, mulheres, homens e diversidades provenientes de todos os territórios da América Latina e do Caribe — movimentos sociais, sindicais, camponeses, indígenas, afrodescendentes, pescadores, jovens e mulheres, dissidências sexuais e culturais, por justiça ambiental, pela saúde e todas as expressões sociais e políticas que na região lutamos pela integração, pela justiça social e ambiental, construídas com plena participação popular e internacionalismo solidário — somamo-nos aos esforços coletivos que historicamente têm buscado assegurar à América Latina e ao Caribe como zona de paz, na qual se exerça livre e democraticamente o direito à soberania nacional, à autodeterminação dos povos e à integração econômica, social e cultural.

Enfrentamos uma situação internacional caracterizada pela continuidade e aprofundamento da crise multidimensional e civilizatória do capitalismo em escala global, com o declínio da hegemonia do imperialismo dos EUA como traço característico, cujo correlato no sistema internacional é o fortalecimento e consolidação de uma estrutura multipolar e policêntrica, na qual o poder político, econômico, militar e tecnológico se encontra cada vez mais distribuído de maneira global. O multilateralismo é a única alternativa para construir modelos de cooperação e complementariedade internacional que abram caminho para uma comunidade de destino compartilhado para a humanidade, que defenda com força a resolução política e pacífica dos conflitos armados e a solução das múltiplas crises econômicas, sociais e ecológico-ambientais geradas pelo sistema capitalista.
A América Latina e o Caribe desempenham um papel determinante e estratégico na disputa por consolidar um sistema internacional multipolar que incorpore todos os Estados e povos em plena igualdade de condições nas dinâmicas próprias da política e da economia mundial, rompendo com as lógicas que naturalizam o predomínio de alguns Estados sobre outros no sistema internacional, e tornando possível a existência de condições para que a Nossa América se constitua em um importante centro de poder, que pode ser determinante e decisivo nas mais complexas decisões da política internacional.
Diante do crescente avanço da extrema direita, do fascismo e do sionismo, do reavivamento do supremacismo racial e do patriarcalismo, que por meio da ingerência das forças imperialistas e coloniais buscam submeter os povos soberanos por meio da guerra, da subordinação política e da discriminação, redobraremos nosso espírito solidário em apoio a nossas/os irmãs/ãos da Palestina, Venezuela, Cuba, Nicarágua e a todas/os aquelas/es que se encontram sob ataque ou ameaça. O povo palestino tem sido submetido a um horrendo genocídio continuado por parte da entidade sionista de Israel e do imperialismo, e não descansaremos até que os perpetradores desses crimes contra a humanidade sejam levados à justiça, que a Palestina seja protegida e que se ponha fim à ocupação colonial de seu território. Do mesmo modo, apoiamos firmemente a bandeira da descolonização e a luta pela total emancipação daqueles países que continuam sendo ocupados por forças coloniais em nossa região, como ocorre em nosso Caribe com o caso de Porto Rico, que luta incansavelmente por sua independência, e no Atlântico, com a Argentina, que continua reivindicando sua soberania sobre as Ilhas Malvinas.
A América Latina e o Caribe são Zona de Paz. A atual escalada militarista imperialista tem como alvo os povos da Nossa América e seus recursos. O objetivo imediato é a Venezuela. As operações letais contra embarcações nas costas venezuelanas e colombianas constituem uma violação da soberania do Abya Yala. Isso requer ação e mobilização urgente dos povos e governos do continente. Cuba continua resistindo diante do genocídio silencioso imposto pelo bloqueio econômico, financeiro e comercial ilegal dos Estados Unidos, razão pela qual exigimos o fim dessa política hostil e sua exclusão da lista de Estados patrocinadores do terrorismo do Departamento de Estado norte-americano. Do mesmo modo, solidarizamo-nos com os povos da Argentina, El Salvador, Equador, Haiti, entre muitos outros, que enfrentam violações de seus direitos humanos e ataques ferozes a seus direitos políticos por parte de seus próprios governantes.
Como forma de materializar a solidariedade entre nossos povos, a Cúpula Social promoverá a conformação de um contingente internacionalista interdisciplinar, que poderá ser financiado pelo sistema multilateral alternativo do Sul Global — como o BRICS Plus ou outra instância existente — para responder a situações de ajuda humanitária no Haiti, Gaza, Cuba, Venezuela ou qualquer país do Sul Global que assim o solicite e seja aprovado pelo coletivo coordenador da Cúpula Social dos Povos da América Latina e do Caribe.
Instamos o governo da Colômbia a apresentar às Nações Unidas a Resolução “União pela Paz” para proteger o povo palestino. Lembramos também que a paz da Colômbia é a paz da região, e a paz da região é a defesa da soberania e o respeito ao princípio da autodeterminação dos povos.
Chamamos à mobilização permanente para enfrentar solidariamente a agressão imperialista e sionista contra nossos povos e governos, para defender as decisões democráticas de nossos povos de terem seus próprios governos e sistemas econômico-sociais, coexistirem e superarem os conflitos em condições pacíficas, e construírem condições de vida dignas para todos e todas em harmonia com a natureza. Nesse sentido, comprometemo-nos a promover a construção de uma frente internacional anti-imperialista, anticolonial, antifascista, antipatriarcal, antissionista e antirracista.
Saudamos a presidência pró-tempore da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), sob a liderança do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, e a possibilidade de uma abertura democrática ao diálogo com os povos e seus movimentos sociais articulados na III Cúpula Social dos Povos da América Latina e do Caribe. Agradecemos também os esforços realizados por diversos países na IV Cúpula CELAC–União Europeia para garantir que os projetos de integração regional e internacional sejam construídos com base nos princípios de equidade e justiça.
Respaldamos a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte na Colômbia, que tenha como principal característica um processo participativo e representativo do campo social, com ampla participação popular por meio de suas organizações sociais, populares, sindicais, de mulheres, diversidades, afrodescendentes, indígenas, etc. Entendemos a importância que essa proposta representa para o país sul-americano e para a região, pois oferece a possibilidade de continuidade do processo de mudança econômica, social, democrática e de garantia de direitos em territórios historicamente submetidos ao despojo e à violência — consequências de estratégias e imposições voltadas ao enriquecimento de poucos enquanto as maiorias são excluídas e submetidas à pobreza, à discriminação e à desigualdade. Portanto, os diferentes processos convocantes da III Cúpula Social dos Povos da América Latina e do Caribe nos constituímos como Comitê Promotor dessa iniciativa de caráter popular, para iniciar o processo de coleta de assinaturas que possibilite conquistar esse propósito.
Esperamos que um diálogo permanente abra um processo inclusivo com vistas à presidência pró-tempore da CELAC, que em 2026 estará a cargo do senhor Yamandú Orsi, primeiro mandatário do Uruguai. Almejamos que esses esforços democráticos de participação popular na construção da integração regional resultem na participação consultiva dos povos no Mecanismo da CELAC.
Em tempos de desafios e transformações aceleradas, a III Cúpula Social dos Povos da América Latina e do Caribe decide trabalhar em diálogo democrático e participativo com as instâncias regionais, governos e Estados, com o anseio de ser incorporada como mecanismo consultivo da CELAC.
A III Cúpula Social dos Povos da América Latina e do Caribe se compromete com o seguinte mandato:
- Lutar para garantir trabalho digno e a construção dialogada de uma política de migração e direitos das pessoas migrantes, que enfrente o racismo estrutural e a xenofobia, e avance na concretização das reparações históricas e das garantias de não repetição.
- A partir dos feminismos populares, interseccionais e emancipatórios e das dissidências sexuais e de gênero, fortalecer nossas lutas para desmantelar simultaneamente o patriarcado e os binarismos de gênero, entendendo que estes se articulam como formas entrelaçadas de poder e dominação. Trabalhamos para colocar a sustentabilidade da vida no centro de toda construção social e política, o que exige desmontar a divisão sexual do trabalho e redistribuir de forma justa as cargas de cuidado historicamente suportadas por mulheres empobrecidas, racializadas e migrantes. Dessa posição, denunciamos e rejeitamos veementemente a exploração, violação e discriminação dos corpos das mulheres e de todas as dissidências sexogêneras e identidades e orientações não heteronormativas, afirmando que a justiça de gênero só será possível em uma sociedade que erradique todas essas opressões. Somos um corpo em resistência, pela proteção da vida digna, de nossos territórios, pela soberania, liberdade e dignidade de nossa grande América.
- Lutaremos pela justiça social, que não será possível sem uma reforma agrária integral e popular que concretize a soberania alimentar para enfrentar a fome no mundo, juntamente com um necessário processo de reindustrialização regional. A reforma agrária e a reindustrialização só se realizarão com a redistribuição da propriedade da terra, a proteção da água e das sementes e o impulso à consolidação das territorialidades camponesas, indígenas e afrodescendentes, à agroecologia e às redes de agricultura rurais e urbanas. A justiça ambiental e a luta contra a crise climática requerem impulso decidido dos Estados e das instituições regionais para garantir o manejo comunitário das florestas, selvas, águas e biodiversidade, e a construção de uma transição justa, feminista e popular, junto ao movimento dos/as trabalhadores/as e ao movimento de mulheres e diversidades, com princípios e diretrizes regionais efetivos para a democratização da energia e a soberania energética.
- Participaremos da construção da justiça ambiental, social, econômica e de gênero. Para isso, enfrentaremos o poder e a impunidade das empresas transnacionais, dando continuidade ao impulso de um instrumento internacional juridicamente vinculante sobre empresas transnacionais em matéria de direitos humanos — ambicioso e eficaz — e leis nacionais em distintos países da região que permitam sua implementação. Continuaremos a luta contra os Tratados de Livre Comércio (TLC) que submeteram nossos países e favoreceram potências econômicas às custas das economias nacionais e dos direitos sociais. Enfrentaremos também os mecanismos de solução de controvérsias investidor–Estado, que estão no centro do cerceamento das soberanias nacionais. Esforçar-nos-emos pela construção de uma nova arquitetura financeira global com os BRICS e sua relação com a região, e suas possibilidades de enfrentar o jugo da dívida ilegítima, odiosa e devastadora para a nossa América, promovida por instituições financeiras internacionais funcionais às estratégias de submissão imperial.
- Promoveremos a participação protagonista e decisória do movimento juvenil na região, garantindo processos de organização que comprometam os Estados a assegurar os direitos à mobilização e ao protesto, à educação como direito fundamental e bem comum, ao trabalho digno, à moradia, à terra e à arte — traduzindo-se em políticas de Estado voltadas à juventude, para o desenvolvimento de todas as capacidades e competências no cenário de disputa pela construção de subjetividade e na batalha das ideias.
- Apoiaremos os processos contemporâneos de desenvolvimento de estratégias e ferramentas soberanas de comunicação e construção das culturas, das artes e dos saberes como base da produção de propostas políticas emancipatórias provenientes dos povos e de suas formas de expressão e diversidade biológica e cultural. Somente a soberania tecnológica garantirá que a comunicação e a cultura de nossos povos não sejam dominadas pelos grandes agentes transnacionais da inteligência artificial e suas tecnologias de submissão e destruição da comunicação e da vida.
- Defenderemos o direito à saúde como um direito humano fundamental, priorizando as necessidades das pessoas sobre os interesses comerciais, a partir de uma perspectiva integral que garanta a autonomia farmacêutica para assegurar o acesso equitativo a tecnologias sanitárias na região, reduzindo a dependência de importações e de interesses transnacionais. Para alcançar isso, instamos os Estados latino-americanos a reorientar a inovação para o interesse público, usar plenamente as salvaguardas do acordo ADPIC, implementar políticas públicas que garantam o financiamento e a produção local de tecnologias estratégicas, fortalecer os mecanismos de compras públicas conjuntas e fomentar a cooperação regional em pesquisa, produção descentralizada e harmonização regulatória, incluindo a criação de uma agência sanitária regional.
- Para os Povos Indígenas, a folha de coca faz parte fundamental do patrimônio cultural e espiritual de seus sistemas de conhecimento. Essa planta foi entregue desde a origem para cuidar, curar e harmonizar a relação com a natureza. Portanto, deve-se facilitar a participação plena, permanente e com caráter decisório dos Povos Indígenas para salvaguardar sua identidade cultural e saberes ancestrais. Rejeitamos a criminalização da folha de coca e conclamamos os Estados do mundo a retirá-la das listas que a demonizam e criminalizam, desconhecendo sua origem cultural e espiritual.
Na articulação e no trabalho conjunto entre os governos e os povos da América Latina e do Caribe está a primeira linha de defesa de nossa soberania continental e dos direitos dos mais de 660 milhões de habitantes de nossa região. Esta III Cúpula Social dos Povos é uma contribuição concreta à imensa tarefa que se apresenta neste momento histórico: defender nosso continente como uma zona de paz diante das ameaças imperialistas e consolidar o projeto de integração regional, a partir do fortalecimento da arquitetura institucional regional em matéria de relações internacionais, configurada a partir da CELAC.
Por uma integração econômica, social e cultural, com plena democracia, soberania e paz!
III Cúpula Social dos Povos da América Latina e do Caribe
Santa Marta – Colômbia, 9 de novembro de 2025
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