Mesa sobre nova ordem internacional discute crise e resistência na Cúpula Popular dos BRICS
Após a abertura do encontro do Conselho Civil dos BRICS no Rio de Janeiro, nesta segunda-feira (1), os debates do encontro foram iniciados na mesa intitulada “A Nova Ordem Global: disputas hegemônicas e reconfiguração geopolítica”. Com a mediação de Moara Crivelente, Diretora Executiva do CEBRAPAZ, pelo Conselho Civil, a mesa contou com as contribuições de oradores e debatedores de nove países de diversas regiões, proporcionando um vivo intercâmbio e propostas diversas, mas convergentes e concretas.

Substanciando o painel estiveram, do Brasil, Mauricio Metri, Professor do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); de Cuba, Katia Aruca Chaple, do Departamento de Relações Internacionais do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba; do Irã, Hamid Reza Gholamzadeh, Secretário-geral do Fórum dos Prefeitos da Ásia (Online); da Rússia, Valeria Gorbacheva, Vice-Diretora do Conselho de Especialistas dos BRICS; e da China, Wang Lei, Diretor do Centro de Pesquisa de Cooperação do BRICS da Universidade Normal de Pequim.
Já os debatedores foram, da Palestina, Osama Alhaj Ahmad, Vice-chefe do Comitê de Trabalho Sindical da Frente Popular para a Libertação da Palestina; da Argentina, Emanuel Álvarez, da Direção Nacional do Movimento Popular Nuestramérica; da Venezuela, Blanca Eekhout, Presidenta do Instituto Simón Bolívar para a Paz e a Solidariedade entre os Povos (Online); do Brasil, Monica Bruckman, Professora da UFRJ e Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Geopolítica, Integração Regional e Sistema Mundial (GIS/UFRJ); e da Indonésia, Irham Ali Saifuddin, Presidente da Confederação dos Sindicatos de Trabalhadores Muçulmanos da Indonésia.
Introduzindo o debate, Moara Crivelente manifestou a solidariedade do Cebrapaz e do Conselho Civil com o povo palestino no enfrentamento ao genocídio que cataliza a catástrofe de 77 anos na Palestina, e à incapacidade das instituições liberais de cumprir as suas promessas. Também denunciou a política de coerção e a crescente militarização do planeta levada a cabo por um império em declínio, mas ainda hegemônico, o cerco à Venezuela pelos EUA e o persistente e criminoso bloqueio contra Cuba. Estas são, para a diretora do Cebrapaz, algumas das provas da urgência de conhecermos a fundo os processos e as bases em que os povos resistem e constroem alternativas e continuarmos fortalecendo os seus fóruns e mecanismos, como o Conselho Civil dos BRICS.
Mauricio Metri iniciou as apresentações com uma demonstração daquilo que denomina o “Sistema Global de Extorsão”, através do qual os EUA não só mantêm o resto do mundo atrelado à sua economia, financiando a sua sempre crescente dívida pública como também a sua máquina de guerra. Daí a urgência, afirma Metri, da desdolarização e da implementação de mecanismos como o Arranjo Contingente de Reserva, acordado em 2014 para substituir o FMI, no mesmo ano do Novo Banco de Desenvolvimento, do BRICS, na Cúpula de Fortaleza.
Katia Aruca Chaple enfatizou a defesa de uma nova ordem internacional justa, democrática e equitativa, afirmando a importância do papel do BRICS na sua promoção e defesa e o aporte que Cuba, um país parceiro, pode oferecer, com a sua experiência nesta frente, assim como o seu desejo de estabelecer intercâmbios com os demais povos do agrupamento. Também ponderou o momento em que vivemos como um de agravada crise e de transição em que o fascismo ganha força em todo o mundo, mas também a resistência dos povos. Daí a importância da unidade estratégica, disse.
Hamid Reza Ghoçamzadeh também traçou um panorama do declínio do império estadunidense, com ênfase para o período iniciado nos anos 2000 e as “guerras infinitas” lançadas pelos EUA em nome de uma suposta “guerra ao terror”. Apontou, como consequência, para a destruição de países como o Iraque e a Síria e a criação de grupos como o Estado Islâmico, mas também afirmou que o próprio “modo americano” de viver deixou de funcionar e os EUA perdem hegemonia neste processo.
Valeria Gorbacheva recordou o percurso anterior dos fóruns civis entre entidades e movimentos sociais dos países dos BRICS, como as iniciativas promovidas em 2017, como marcas do empenho pela aproximação para lá das negociações de alto nível entre líderes. Em seguida, centrou a sua fala no impacto das sanções impostas pelos EUA e a Europa aos diversos países alvo, que na sua maioria, são membros do BRICS ou parceiros. Estes mecanismos coercivos, disse, afetam todos os setores da sociedade nestes países, portanto, também são razões para a promoção de medidas concretas como a criação de sistemas independentes de pagamentos que permitam aos países não serem reféns neste processo.
Wang Lei enfatizou a constatação de que já existe uma nova ordem internacional sendo impulsionada pelo BRICS, e questionou o que estará acontecendo com a velha. Após um período mais reformista da ordem então existente, disse Wang, agora, mesmo que continuem promovendo reformas, os países dos BRICS apostam numa ainda maior democratização das relações internacionais. Daí a maior ênfase na solidariedade com outros países do Sul Global, notada a partir de 2023, e a incorporação de novos membros, em 2024.
Entre os debatedores, Osama Alhaj Ahmad comentou a situação na Palestina, a resistência do seu povo diante do genocídio e o enfrentamento aos planos de tutelagem dos palestinos como uma suposta solução para a atual fase de um conflito que opõe um movimento de libertação nacional a um projeto de colonização e substituição de uma população, a palestina, por outra, a judaica, por Israel. Concretamente, clamou, por exemplo, por um fundo popular de reconstrução de Gaza, a maior cooperação entre a juventude e o mundo sindical dos BRICS e da Palestina, e o reforço da mobilização internacional para enfrentarmos soluções unilaterais opressivas, uma mobilização que se valha da multipolaridade e defenda a libertação dos povos.
Emanuel Alvarez, por sua vez, denunciou o papel do Presidente da Argentina, Milei, como fantoche do império, que abre vias para a hiper-dependência do dólar. Também classificou o genocídio do povo palestino como mais uma etapa na justificação de todo e qualquer método para intervir e saquear, e apelou à solidariedade com outros povos resistentes como o povo do Haiti. Para Alvarez, o Conselho Civil do BRICS tem o potencial de “parir um novo período histórico” de imaginação e criatividade, com protagonismo dos povos.
Monica Bruckman, por sua vez, comentou a vulnerabilidade dos EUA, exposta pelo seu próprio sistema financeiro e as suas crises anuais em torno do teto da dívida pública, hoje a mais alta de sempre, em mais de 120% do PIB. Os títulos da dívida começam a ser considerados investimentos de alto risco, e que países como a China, antes entre os seus maiores credores, gradualmente saem de cena, diz Bruckman, e tal vulnerabilidade fica evidente. Por essas e outras, diz, este é cada vez mais um “hegemon de pés de barro”. O processo de transição de hegemonia, em sua opinião, é irreversível, e o BRICS, fortalecido pela sua dimensão popular, deve estar na vanguarda desse processo.
Irham Ali Saifuddin, finalmente, abordou desafios diversos e “mega tendências” como as alterações climáticas, mudanças demográficas e avanços tecnológicos díspares que os países do BRICS precisam, em sua opinião, enfrentar. Por exemplo, diz Saifuddin, mais de 60 milhões de jovens estão desempregados e há ainda uma grande defasagem em conhecimentos de tecnologia em partes significativas da população em países do Sul Global. Ainda, afirma, é preciso criar plataformas econômicas para lidar com as injustiças das cadeias de abastecimento e alternativas para enfrentar o uso de mecanismos como os embargos por parte de países do Norte Global.
Assim, a mesa reforçou a importância do debate construtivo e as convergências na diversidade de ideias e prioridades para um agrupamento de países e povos tão distintos e ainda assim desejosos de unidade e cooperação em prol da projeção do Sul Global, particularmente para fazer frente às ofensivas do império diante do seu próprio declínio, mas também para construir uma ordem alternativa mais justa e equitativa.