A presidenta do Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC) Ilda Figueiredo discursou durante a Conferência Internacional “Paz Global vs. Intervencionismo e Imperialismo Global”, em Belgrado, na Sérvia, onde denunciou o papel da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no aumento da insegurança e na ameaça mundial contra os povos e a sua luta pela paz.
A conferência foi organizada pelo Fórum de Belgrado por um Mundo de Iguais, nos dias 22 e 23 de março, na ocasião dos 15 anos desde a agressão da Otan contra a antiga Iugoslávia, em que uma campanha de 78 dias de bombardeios deixou milhares de mortos, em grande parte civis, e consequências sentidas ainda atualmente.
Ilda Figueiredo ressaltou a necessidade de globalização da luta pela paz, passando “necessariamente pela promoção de uma ampla frente anti-imperialista, por defender e reforçar o movimento mundial corporizado pelo Conselho Mundial da Paz, com as suas características anti-imperialistas, democráticas, unitárias e de massas.” Neste sentido, a presidenta do CPPC lembrou os 65 anos do Conselho Mundial da Paz e o seu empenho diverso pela cooperação e pela solidariedade internacional, “para construir um mundo de progresso, soberania e paz.”
A presidenta do CPPC ressaltou, entretanto, que os povos reagem e afirmam a resistência contra o imperialismo, desde a origem do movimento mundial, da qual fizeram parte organizações e movimentos antifascistas e que, nestes 65 anos, “têm estado na vanguarda da luta, travada à escala global, em defesa da paz.”
A denúncia da militarização da União Europeia e do empenho belicista reafirmado constantemente pelas potências ocidentais e os membros da Otan também foi central no discurso de Ilda Figueiredo e de diversos outros na conferência, que contou com a participação de mais de 500 representantes de organizações mundiais, indivíduos e personalidades acadêmicas e políticas.
Leia a seguir a íntegra do discurso de Ilda Figueiredo em Belgrado.
OTAN: A mais séria e significativa ameaça à segurança e à paz no mundo
Caros amigos,
Saudamos, em nome do Conselho Português para a Paz e Cooperação, a todas as organizações presentes, a todos e todas que estão aqui defendendo e concretizando a globalização da luta pela Paz.
Agradecemos ao Forúm de Belgrado para um Mundo de Iguais, a organização desta importante conferência e a a sua muito gentil recepção.
Encontramo-nos em Belgrado, onde a ingerência e a agressão da OTAN são bem conhecidas pelos povos da Iugoslávia, que foram suas vítimas diretas há 15 anos, como podemos ver, ontem, na exposição dedicada às consequências humanitárias, econômicas e ambientais dessa agressão.
Uma agressão que marcou o regresso da guerra à Europa e o início de um novo período de aumento da agressividade dos EUA e seus aliados da OTAN, que continuaram com as agressões contra os povos do Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria, para dar apenas alguns exemplos.
Mas em 1999 a OTAN contava já com uma longa história de ingerência e agressão, cumprindo com o seu objetivo de colocar a Europa Ocidental sob a hegemonia dos EUA, e de impedir qualquer transformação de caráter progressista nos países membro, recorrendo até a atentados terroristas, como a operação “Gládio” denunciada pelos tribunais italianos.
Em Portugal, durante a revolução de abri,l iniciada em 25 de abril de 1974, a OTAN exerceu pressões e ingerências de vária ordem, incluindo manifestações de força com as manobras ‘Locked Gate’, realizadas no início de 1975 junto à costa portuguesa, a fim de tentar contrariar o rumo progressista proclamado pelo povo e pelos militares do MFA. Hostilidade à Revolução portuguesa que contrastou flagrantemente com o apoio que era dado ao regime fascista português que oprimia e assassinava o povo português e desenvolvia uma criminosa guerra contra os povos de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde.
A OTAN, na sua Cimeira que se realizou em Lisboa, a 19 e 20 de novembro de 2010, adotou um conceito estratégico, reafirmado em 2012 em Chicago, que mais não visa que o reforço deste bloco político-militar como instrumento de ingerência e de agressão.
Trata-se de um novo salto qualitativo que representa a mais séria e significativa ameaça à segurança e à paz ao nível mundial, como a realidade está demonstrando.
Com o seu renovado conceito estratégico, a OTAN arvora-se o direito de ingerência e de intervenção em qualquer ponto do mundo, invocando um qualquer pretexto, avançando com a formulação de ditas “novas ameaças” à medida dos seus reais propósitos, na tentativa de justificação da sua existência e da sua acção criminosa.
A OTAN provoca e provocará as situações que posteriormente – perante uma opinião pública intencionalmente manipulada através de campanhas de desinformação – utilizará para tentar “justificar” a sua agressão.
Neste quadro, relança-se a corrida aos armamentos e o aumento das despesas militares, reforça-se a instalação de bases militares estrangeiras, a transformação das forças armadas nacionais em forças expedicionárias ao serviço da OTAN, a militarização das relações internacionais e a guerra.
A OTAN reafirma a manutenção e utilização das armas nucleares, mesmo em um primeiro ataque, na sua doutrina estratégica, insistindo na manutenção da instalação de armas nucleares dos EUA no território de outros países membros dessa organização.
A OTAN assume como seu o projeto de instalação na Europa de novos sistemas de míssil com caráter ofensivo, como o projecto de sistema antimíssil dos EUA – de que um dos componentes centrais já está já sendo instalado na Base da Rota, na Espanha, com a recente chegada do primeiro barco do sistema AEGIS.
A OTAN reafirmou a intenção de alargar a sua esfera de cção, quando possível, a partir do estabelecimento de ditas “parcerias” com países, organizações regionais e internacionais (incluindo a ONU), com conteúdo, forma e duração variáveis, de forma a permitir a sua presença e ação diretas ou a colocação de outros ao serviço da concretização da sua estratégia de domínio. Os acordos OTAN – Colômbia são um exemplo disso. Deste modo, a OTAN desempenharia, conforme as necessidades ou possibilidades, o papel de diretor e ator central ou de diretor de outros atores.
Para tal, a OTAN tem como objetivo a instrumentalização da ONU para “branquear” a sua ação ilegal e, quando não o consiga, não recusa o total desrespeito da Carta das Nações Unidas e do direito internacional.
Em síntese, o novo Conceito Estratégico da OTAN representa uma declaração de guerra aos povos do mundo.
Neste quadro, a União Europeia reafirma-se como o pilar europeu da OTAN e seu parceiro estratégico, sublinhando-se o conteúdo e significado do Tratado de Lisboa para a efetiva concretização deste objetivo belicista.
O novo Conceito Estratégico da OTAN colocou uma vez mais em evidência que, apesar da existência de crescentes contradições entre potências da União Europeia e os EUA, a sua relação tem sido pautada por uma concertação estratégica, em um quadro de subordinação dos primeiros à lógica hegemônica dos segundos.
A União Europeia tem vindo a apoiar e a integrar, de um modo cada vez mais ostensivo, a deriva militarista e intervencionista dos EUA e da OTAN, participando, coadjuvando e até mesmo substituindo a OTAN nas suas agressões e ocupações de países soberanos.
Vivemos tempos de grande agressividade do imperialismo, as agressões contra a Síria, contra o Mali ou a República Centro-Africana, ou a desestabilização da Ucrânia são exemplos disso.
Mas perante as sérias ameaças à paz no mundo e a crescente ingerência e agressividade do imperialismo, os povos resistem e surgem, com igual elevação e significado, vastas possibilidades de ampliar a resistência e fortalecer as forças geradoras e protagonistas da edificação de um futuro melhor. O Conselho Mundial da Paz é parte integrante desta ampla conjugação de vontades e de ação combativa e sê-lo-á tanto mais, quanto mais audaciosa, diversificada, forte e determinada for a sua intervenção.
Defendemos que a luta pela paz é parte integrante e condição necessária para a justiça e o progresso sociais.
A luta pela paz é contributo decisivo e marco intransponível para ultrapassar a crise econômica e construir um mundo de justiça e progresso social, baseado na democratização das relações econômicas e no desenvolvimento de uma relação sustentável entre as comunidades humanas e a natureza, no respeito pelos direitos e anseios de todos os povos do mundo.
O anseio e direito dos povos à paz consubstanciam-se na conquista e concretização dos direitos ao bem-estar, à alimentação, à água, à saúde, à habitação, à educação, ao trabalho, à cultura, ao lazer e à recreação, a um ambiente saudável e a uma relação equilibrada com a natureza, à liberdade, à soberania, à justiça, ao desenvolvimento econômico, a disporem das condições materiais necessárias a uma vida digna e estável.
O movimento mundial da Paz corporizado no Conselho Mundial da Paz teve a sua origem há 65 anos: entre 20 e 26 de Abril de 1949, em reuniões realizadas simultaneamente em Paris e em Praga, realizou-se o primeiro Congresso Mundial dos Partidários da Paz, que reuniu milhares de delegados de dezenas de países. No final do ano seguinte, no segundo Congresso Mundial da Paz, que se realizou em Varsóvia, seria criado o Conselho Mundial da Paz, composto então por 221 elementos e presidido pelo prestigiado físico francês Frédéric Joliot-Curie.
Na origem deste movimento mundial estiveram organizações e movimentos de resistência antifascista de diversos países e destacadas personalidades da ciência, das artes, das letras e do mundo do trabalho, das mais variadas convicções políticas e confissões religiosas. Ao longo destes 65 anos, o Conselho Mundial da Paz e as suas organizações-membro têm estado na vanguarda da luta, travada à escala global, em defesa da Paz.
Defendemos que globalizar a luta pela Paz passa necessariamente pela promoção de uma ampla frente anti-imperialista, por defender e reforçar o movimento mundial corporizado pelo Conselho Mundial da Paz, com as suas características anti-imperialistas, democráticas, unitárias e de massas, é um contributo determinante para defender os valores da Paz, da cooperação e da solidariedade e para construir um Mundo de progresso, soberania e paz.