Campanha pela abolição das armas nucleares ganha força, mas ainda enfrenta desafios

As Ilhas Marshall, país da Micronésia com estatuto de “livre associação” aos EUA (assim como os Estados Federados da Micronésia e Palau), foram palco de testes nucleares do programa estadunidense entre 1946 e 1958. De acordo com a organização civil Nuclear Zero, que promove casos judiciais relativos à campanha global pela abolição das armas nucleares e pela responsabilização por seu emprego, 67 bombas nucleares foram detonadas sobre as Ilhas durante o período do programa norte-americano. Uma delas foi a maior já testada pelos EUA, “Castle Bravo”, ainda mais potente do que a lançada sobre Hiroshima, em agosto de 1945.

Por Moara Crivelente*

É por este motivo que a organização Nuclear Zero promove a campanha em apoio às Ilhas Marshall em sua petição, enviada em 24 de abril de 2014 ao Tribunal Internacional de Justiça e à Corte Distrital Federal dos EUA. De acordo com a organização, “as nove nações detentoras de armas nucleares falharam em cumprir suas obrigações, sob o Tratado de Não Proliferação Nuclear e o direito internacional costumeiro, de dedicarem-se às negociações para a eliminação mundial das armas nucleares. As Ilhas Marshall agem pelos sete bilhões de nós que vivem neste planeta para encerrar a ameaça das armas nucleares que ainda paira sobre toda a humanidade.” A petição já angariou mais de cinco milhões de assinaturas. Veja aqui a campanha (em inglês). 

Os nove países detentores de armas nucleares hoje são os Estados Unidos, a França, Reino Unido, Rússia, China (cinco signatários do Tratado de Não Proliferação Nuclear, que entrou em vigor em março de 1970), Israel, Índia, Paquistão e República Popular Democrática da Coreia (não signatários do TNP; Israel nem mesmo admite possuir o arsenal, até hoje não verificado pela agência competente).

signatrios do tnp
A Nuclear Zero estima que 100 milhões de pessoas morreriam em 30 minutos caso 500 armas nucleares fossem usadas nas maiores cidades. Os testes nucleares também são denunciados, assim como o armazenamento e o transporte. Em 1961, por exemplo, os EUA quase detonaram uma bomba 260 vezes mais potente do que a lançada sobre Hiroshima (em agosto de 1945, quando mais de 100 mil pessoas morreram) em Goldsboro, no estado de Carolina do Norte, quando um bombardeiro B-52 rompeu e derrubou duas bombas de hidrogênio Mark 39, equivalente a quatro milhões de toneladas de TNT (quatro megatons). A informação foi mantida em segredo até 2014.

O jornalista Eric Schlosser, que acessou os documentos devido ao Ato pela Liberdade de Informação, disse tratar-se de provas de que as alegações do governo estadunidense sobre a segurança do seu programa nuclear são falsas. O programa é mantido na sombra para que os cidadãos não façam perguntas, mas o jornalista descobriu que 700 “acidentes significativos” ocorreram entre 1950 e 1968, envolvendo 1.250 armas nucleares. Além disso, há informações sobre a armazenagem de arsenais dos EUA, por exemplo, na Europa e no Oriente Médio. O antigo premiê holandês, Ruud Lubbers, afirmou em junho de 2014 que a Holanda armazena 22 armas nucleares estadunidenses na base aérea de Volkel. O mesmo ocorreu, desde a chamada Guerra Fria, na Bélgica, Alemanha, Itália e Turquia, no quadro da aliança na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Veja a seguir a tabela sobre as potências nucleares e seus arsenais, elaborada pelo Instituto de Estocolmo de Pesquisa sobre a Paz Internacional (Sipri, na sigla em inglês), retirada do seu anuário de 2014 (traduzida pelo Cebrapaz): 

País

Primeiro
teste nuclear

Ogivas
posicionadas*

Outras ogivas

Inventário
Total

Estados Unidos

1945

1920

5380

7300

Rússia

1949

1600

6400

8000

Reino Unido

1952

160

65

225

França

1960

290

10

300

China

1964

..

250

250

Índia

1974

..

90–110

90–110

Paquistão

1998

..

100–120

100–120

Israel

..

..

80

80

Coreia do Norte

2006

..

6–8

6–8

Total

3970

12 350

16 300


*Ogivas posicionadas: Instaladas em mísseis ou localizadas em bases com forças
operacionais. 

Fonte: SIPRI Yearbook 2014 (Oxford University Press: Oxford, 2014)

A campanha global pela abolição das armas nucleares – e não apenas pelo seu controle – leva às regulares Conferências de Revisão do TNP. A próxima está marcada para abril de 2015, em Nova York, na sede da Organização das Nações Unidas. Há 189 signatários do tratado, cujos pilares são a não proliferação, o desarmamento e o uso da energia nuclear para fins pacíficos. Porém, os desafios pela eliminação das armas nucleares continuam graves, ainda que as maiores potências, EUA e Rússia, tenham concordado em reduzir seus arsenais.

A falta de compromisso dos EUA reflete-se, por exemplo, na redução em US$ 460 milhões no orçamento de 2014 para o programa de não-proliferação, segundo um relatório de abril do Centro pela Integridade Pública, e o aumento em US$ 500 milhões para o programa nuclear, que passa por uma “modernização”. Além disso, o novo “Conceito Estratégico” da OTAN prevê investimento na política de “dissuasão nuclear” com o posicionamento de mais armas na Europa e na Turquia. A estratégia foi aprovada oficialmente pela primeira vez ainda em 1954, mas foi recentemente retomada até mesmo como suposta “contenção de gasto”, já que a ameaça sairia mais barata do que a guerra.  

Mais do que nunca, a mobilização internacional dos movimentos sociais é essencial para exercer-se pressão contra a política retrógrada e anacrônica das ameaças disseminadas, que continuam colocando os povos de todo o mundo sob a mira da ação belicosa e suas consequências, principalmente desde o círculo imperialista. A revisão do TNP deve fortalecer o caminho pela abolição das armas nucleares e outras armas de destruição em massa, em detrimento da atual política de controle e manutenção. 

*Moara Crivelente é cientista política, jornalista e membro do Cebrapaz, assessorando a presidência do Conselho Mundial da Paz.

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