Os ataques da Otan mataram 1.600 pessoas nas últimas 24 horas, de acordo com as próprias forças amotinadas. A capital líbia sofre forte desabastecimento de água, comida e energia desde o início da agressão estrangeira contra o país.
“Trata-se do último capítulo do fim do regime”, disse, a partir da Túnisa, o pretenso “ministro da Justiça” do Conselho Nacional de Transição, Mohammed al-Alaqi. O contrarrevolucionário, supostamente um dos integrantes do grupo Irmandade Muçulmana da Líbia, afirmou que “entre as pessoas sob proteção dos rebeldes está Fadhia, mãe de Mohammed Kadafi”, o filho mais velho de Kadafi, e que também teria sido detido pelos contrarrevolucionários.
Perguntado sobre as mortes de civis nas últimas 24 horas, Al-Alaqi não disse nada de novo, atribuindo as mortes a disparos e bombardeios aleatórios “das forças de Kadafi”.
Segundo o fantoche das forças ocidentais, Kadafi estaria negociando diretamente com os agressores, que invadiram a capital no sábado, por um cessar-fogo. Segundo o Conselho de Transição – que fez reavivar a velha bandeira da monarquia absolutista líbia, com as três cores e o crescente branco – a pausa na agressão só acontecerá se Kadafi deixar o país.
Emissoras de televisão e agências internacionais noticiam que dois filhos de Kadafi foram capturados e um terceiro se rendeu, assim como a guarda pessoal do coronel. Segundo números oficiais, mais de 1,6 mil pessoas morreram nos conflitos das últimas 24 horas.
Conflito na fronteira
A delegação de ativistas e deputados brasileiros que se encontra na fronteira do país, impedida de ultrapassar a linha que divide a Tunísia e a Líbia, relatou que as forças armadas da Tunísia estão se preparando para a possibilidade de um conflito com as forças líbias.
Segundo o deputado Protógenes Queiros (PCdoB-SP), “um senhor Líbio, Mohamed Hassan, mercador de alimentos na fronteira com a Tunísia, afirmou que os caminhões e tanques que encontramos na estrada estão de prontidão na fronteira para evitar que o conflito entre na Tunísia”.
Protógenes cita a tomada da embaixada na Tunísia como um indício de que a hipótese do conflito é real, “pois a embaixada da Líbia na Tunísia foi tomada pelos rebeldes, o que pode agravar ainda mais a guerra”.
“A situação em Trípoli é de desabastecimento total de alimento e combustível. Os bombardeios aéreos da OTAN acontecem toda a noite, mas, pelo que me informaram, a tomada da cidade pelos rebeldes não será fácil e com certeza sangrenta”, acreditava Protógenes na manhã de sábado.
“Na cidade de Djerba avistei um avião do governo venezuelano esperando seis membros da família Kadafi para serem asilados. A posição de Kadafi é de resistir até a morte”, informou o deputado federal do PCdoB de São Paulo.
Há quinze dias a ofensiva contra o governo líbio vivia um impasse, com fortes indícios de desagregação da liderança contrarrevolucionária. O principal dirigente do “governo” instalado em Bengazi foi sequestrado e morto, em circunstâncias misteriosas.
Tratava-se de Fatah Iunes, um ex-integrante do governo líbio que desertou semanas depois do início do motim militar que levou o país a uma guerra civil. O caso aparentemente foi um “golpe de estado” dentro do Conselho Nacional de Transição.
Durante a semana passada, notícias de que os contrarrevolucionários estariam dominando áreas próximas à capital do país foram sendo disseminadas pela mídia, culminando com a ação de bombardeio da Otan, sobre uma cidade que já não mais possuía estrutura para resistir a um assédio incessante.
Apesar da aparente vitória das forças leais ao imperialismo, os agressores devem ter em consideração que trataram com forças que diziam combater, como membros da Al-Qaida lutando ombro a ombro com os contrarrevolucionários. Por sua vez, caso os contrarrevolucionários conquistem a vitória, como tudo indica nas últimas horas, deve emergir fortalecido da luta o grupo religioso Irmandade Muçulmana, que promete imprimir um forte teor religioso ao novo governo, que será indubitavelmente submisso aos interesses do imperialismo.
Os acontecimentos posteriores à “Revolta Árabe”, que atravessou o mundo árabe do oeste para o leste, têm demonstrado que o imperialismo aceitou se desfazer de alguns dos seus fantoches, mas reluta em aceitar uma transição política que conduza a uma verdadeira independência desses países. Como exemplo, há que se lembrar a cruel repressão imposta pelos regimes mais submissos aos Estados Unidos, como a Arábia Saudita, Iêmen e Barein.
Terror nas ruas
Sanções impostas contra a Líbia, sob o pretexto de forçar a derrubada do presidente do país, serviram fundamentalmente para atingir a população civil, que se vê privada da ajuda humanitária. Em muitas zonas urbanas e rurais da Líbia – bombardeada sem descanso – são evidentes as carências, afirmou na semana passada o chefe das missões do Comitê Internacional da Cruz Vermelho (CICR) no Norte e Oeste da África, Boris Michel.
Outros perigos semeados pelo Pacto Militar são as bombas que não explodiram ainda e que estão espalhadas no solo, lembrou o responsável da Cruz Vermelha, para quem os castigos impostos pelas Nações Unidas contra a Líbia são incompatíveis com o direito internacional.
“As sanções incluem mecanismos de exceção para a ajuda humanitária”, disse, “mas essas exceções, na prática, não foram observadas”, frisou.
Para ilustrar como é a política criminosa contra o povo, Michel falou do caso do material médico. A Líbia depende quase totalmente da importação de medicamentos e material médico. Com a guerra, muitas empresas abandonaram o país, paralisando a importação daqueles bens, provocando a quebra dos estoques existentes, com consequências graves na proliferação de doenças, explicou Michel.
Faltam igualmente motores para captação hídrica e geradores de energia elétrica, o que provoca dificuldades no abastecimento de água e na alimentação de equipamentos absolutamente essenciais não apenas à qualidade de vida, mas, sobretudo, à sua manutenção, caso dos hospitais.
Desde o passado dia 31 de março, a Otan já efetuou mais de 18.500 incursões aéreas, 7 mil das quais foram bombardeios. Pelo menos 1.200 civis líbios foram assassinados pela coligação imperialista antes do bombardeio iniciado na sexta-feira (19), e milhares de outros resultaram feridos.
É vergonhoso que certas personalidades e forças políticas, pretensamente de esquerda, argumentem a favor de uma “intervenção” imperialista para que se destrone um pretenso ditador, em nome de uma “democracia” importada e gestada na barriga do império, como a que viceja hoje nas terras do Iraque e do Afeganistão, que lamentam os milhares que perderam a vida com essas “intervenções”.
Por Humberto Alencar,
de São Paulo.