Cebrapaz integra delegação em visita de solidariedade à Palestina

O Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) integrou a delegação brasileira que visitou a Palestina ocupada, entre 31 de março e 5 de abril. O intuito do grupo, formado por diversos movimentos sociais brasileiros, era alcançar a Faixa de Gaza, em missão de solidariedade ao povo palestino do território sitiado e novamente devastado. Entretanto, a negativa das autoridades israelenses para a entrada em Gaza provocou a mudança na programação, rica em atividades e encontros com movimentos, partidos e vilarejos palestinos diretamente impactados pela política sionista da ocupação na Cisjordânia.

Evento recebe Ra'ed Zibar, ex-prisioneiro, da Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP) em Kobar, vila palestina próxima a Ramallah.
Na vila de Kobar, Raed Zibaar é recebido por vizinhos e camaradas após 13 anos encarcerado por Israel. Foto: Moara Crivelente

O Cebrapaz, representado por Moara Crivelente, foi recebido pelo Dr. Aqel Taqz, do Comitê Palestino pela Paz e a Solidariedade, também afiliado ao Conselho Mundial da Paz. Taqz garantiu a visita ao campo de refugiados Al-Am’ari, próximo a Ramala – a sede administrativa palestina na Cisjordânia – e a importantes interlocutores, como a União Juvenil Palestina, ao responsável pelo Departamento dos Expatriados da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Tayseer Khaled, e ao Partido Popular Palestino (PPP), fundado ainda em 1919.

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Os jovens explicaram seus projetos na Palestina ocupada para incentivar a produção local, com a geração de renda e de alternativas ao consumo dos produtos israelenses, “unindo o social ao político”. O principal foco é o meio rural, com projetos contra a fome e a pobreza, intensificadas pelo aparato da ocupação com os postos de controle militar que dificultam a movimentação, as regulamentações da produção e do trabalho na terra e o próprio controle das exportações através da recolha dos impostos.

A organização recusa fundos oferecidos pela agência estadunidense de assistência, USAID, que exige a assinatura de contratos condicionantes e a responsabilização pela “não colaboração com organizações terroristas”. A terminologia, além de uma afronta preconceituosa, é uma forma de despolitizar e desmobilizar, na tendência arbitrária de deslegitimar a resistência palestina e qualquer expressão dela. Por isso, um importante aspecto dos projetos dá-se no incentivo às famílias palestinas habitantes das regiões onde se instalaram colônias israelenses, para resistirem à expulsão com a produção.

Já Tayseer Khaled abordou a perspectiva da OLP sobre as negociações com Israel, inexistentes, e o compromisso do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu com os colonos em territórios palestinos. A situação atual, para Khaled, é pior do que a anterior aos Acordos de Oslo, de 1993 em diante, que deveriam ter solucionado e encerrado a ocupação. Hoje há mais de 650 mil colonos israelenses vivendo na Palestina ocupada em cerca de 140 colônias. A esperança agora está na solidariedade internacional e no crescente isolamento de Israel devido às políticas racistas e agressivas contra os palestinos, que devem aproveitar o momento para reavaliar acordos já rechaçados pela população e investir na unidade nacional, afirmou o representante da OLP.

O recurso da Palestina ao Tribunal Penal Internacional também é uma estratégia eficaz para a responsabilização das autoridades israelenses pelos sucessivos massacres e pelas práticas da ocupação. Casos emblemáticos foram dirigidos à Corte para a avaliação dos crimes de guerra cometidos pelo aparato sionista, não apenas na devastação reiterada da Faixa de Gaza sitiada há oito anos, mas também às violações do Direito Internacional Humanitário com relação à ocupação. Por exemplo, a transferência de população do ocupante para o território ocupado, com as colônias, é uma violação da Quarta Convenção de Genebra (1949). Os palestinos têm um caso sólido contra as autoridades israelenses, o que explica as reações agressivas e sanções, como o congelamento do repasse dos impostos recolhidos por Israel em nome da Autoridade Nacional Palestina (provisão dos Acordos de Oslo), suspendendo grande quantia dos salários e estrangulando mais uma vez a economia palestina.

Já Emad Badra, o elo entre o PPP e o Partido Comunista de Israel (antigamente compondo um só partido, dividido às vésperas do estabelecimento do Estado de Israel), abordou a situação dos palestinos em território israelense (onde são quase 20% da população), a participação política e a situação de segregação agravada. A discriminação, de acordo com Badra, dá-se em todos os aspectos da vida em Israel. “A situação é pior nas cidades mistas, de onde Israel tenta eliminar as características árabes e os palestinos tentam resistir.” A concentração de palestinos hoje se dá na Galileia e no Negev (sul), para onde os “planos de desenvolvimento” (como é o caso do Plano Prawer, que tem suscitado protestos massivos) pressupõem a destruição das vilas árabes e o cerco às comunidades beduínas.

O representante do PPP explicou o papel do partido no marco histórico conhecido como o Dia da Terra, comemorado anualmente em 30 de março, desde 1976, quando Israel tentou expropriar terras agricultáveis e os conselhos liderados pelo PPP fizeram greves contra a ocupação. “Até então, os palestinos tinham medo de entrar em conflito com os israelenses, mas este episódio impulsionou o nascimento de organizações palestinas em Israel na defesa dos seus direitos,” disse Badra.

Palestina aprisionada

A delegação brasileira visitou Ra’ed Zibar, ex-prisioneiro palestino encarcerado por Israel, membro da resistência organizada pela Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP) durante a segunda intifada – o levante popular contra a ocupação, iniciado em 2000. Zibar foi preso em 2002 e o seu retorno à vila de Kobar, próxima a Ramala, 13 anos depois, foi marcado por discursos de resistência e solidariedade aos mais de seis mil palestinos ainda encarcerados.

Quase 160 deles são crianças e 450 estão em “detenção administrativa”, classificação arbitrária segundo a qual um “suspeito” pode ser detido por períodos renováveis de seis meses, sem acusação formal ou julgamento. Uma das principais vozes do evento de recepção a Zibar, a parlamentar Khalida Jarrar foi presa na madrugada seguinte por cerca de 30 soldados que invadiram a sua casa, já que se recusara a cumprir a ordem de deslocar-se de Ramala para Jericó (na fronteira com a Jordânia).

As visitas a Zibar e às famílias de outros prisioneiros foram mediadas por Ruayda Rabah, do Conselho de Cidadãos brasileiros na Palestina. Ela nasceu e cresceu no Brasil, mas tem origem palestina, e trabalha arduamente na divulgação da situação dos palestinos sob a ocupação, além de insistir em manter um importante elo entre as culturas palestina e brasileira. A experiência permitiu que a delegação ouvisse em primeira mão o drama das famílias palestinas e as prisões sistemáticas. Casos como o de Islam Bakr, também de nacionalidade brasileira e que, aos 30 anos de idade, está preso desde os 17, são amostras de que a solidariedade aos palestinos deve ser abrangente e reforçada.

O grupo ainda visitou a vila de Silwad, onde às sextas-feiras os protestos contra a ocupação – as colônias israelenses podem ser vistas bem próximas – são reprimidos com bombas de gás lacrimogênio que engolfam todo o vilarejo (foto). Além disso, a tensão na cidade de Jerusalém pôde ser verificada, com a presença massiva de soldados e policiais israelenses inclusive nos arredores de importantes igrejas e mesquitas (como é o caso de Al-Aqsa, cuja esplanada é frequentemente invadida por colonos). A marginalização dos palestinos na cidade também é visível, principalmente desde que Israel anexou-a ilegalmente, em 1967 e em 1980, ignorando a reivindicação palestina, reconhecida mundialmente, pelo estabelecimento da sua capital em Jerusalém Oriental.

A delegação reuniu-se com Mustafa Barghouthi, secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina, que explicou a configuração atual dos territórios ocupados – divididos entre zonas de controle completo pelo Exército de Israel (Área C, mais de 60% da Cisjordânia), as zonas de controle misto com os palestinos (Área B) e as zonas de controle palestino (Área A, a menor parte) – e a construção do muro de segregação, com mais de 800 quilômetros de extensão e de oito a 12 metros de altura. A ocupação, disse Barghouthi, dá-se através do muro, da construção das colônias, das áreas e bases militares, das “terras declaradas do Estado”, das estradas também de segregação, a devastação de plantações e árvores palestinas, a demolição de casas e outras estruturas, a distribuição desigual de água e energia elétrica, entre tantos outros aspectos.

Barghouthi apresentou imagens e resultados da última ofensiva israelense contra a Faixa de Gaza, em julho e agosto de 2014, quando 51 dias de bombardeios constantes mataram mais de 2.200 pessoas (83% de civis e 580 crianças) e deixaram 11.100 feridos, além de milhares de desabrigados que ainda esperam pela reconstrução estagnada. A emergência humanitária vivida pelos palestinos de Gaza é enfatizada por diversas organizações internacionais que apontam para multidimensionalidade da situação e a sua perenidade, dada a repetitividade das agressões israelenses contra o território já completamente bloqueado.

Por isso, a visita aos territórios ocupados é essencial para o fortalecimento da solidariedade mundial ao povo palestino, na sua luta pela justiça, pelo fim da impunidade israelense, pela autodeterminação, a paz e o Estado da Palestina livre e soberano.

Do Cebrapaz,
Moara Crivelente 

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