A corrida pela partilha do mundo já estava saturada: restava guerrear pela redistribuição dos territórios e das riquezas dos povos, ainda que isso significasse massacrá-los e subjugá-los. Neste sentido, o fascismo e o nazismo encontraram terreno fértil, buscando eliminar da história aqueles que se rebelavam e que apresentavam alternativas, promovendo ainda ideias de superioridade racial e de dominação como se legítimas fossem, expressões de uma “evolução” tergiversada.
O Conselho Mundial da Paz nasce da resistência determinada contra o imperialismo, a dominação e a guerra – que levou à morte mais de 60 milhões de vítimas, consolidando-se como o instrumento máximo do imperialismo para a promoção da sua agenda de dominação e saque, inaugurando a horrenda bomba atômica, empregada pelos Estados Unidos, na terrificante destruição de Hiroshima e Nagasaki causando o genocídio de quase 300 mil pessoas.
Além disso, os EUA e seus aliados na Europa criariam a que viria a apresentar-se como a maior máquina de guerra do planeta, a OTAN, na inauguração da chamada “Guerra Fria”. O mundo continuaria gravemente ameaçado pela iminência de mais uma guerra de proporções inimagináveis, enfrentando décadas do temor permanente de uma guerra nuclear. Por isso, no mesmo momento em que nasce o CMP, uma das nossas campanhas centrais nasceria do Apelo de Estocolmo, em 18 de março de 1950.
Pablo Picasso foi um dos intelectuais e artistas envolvidos no nascimento do Conselho Mundial da Paz,
e suas “palomas” viraram símbolos do movimento pela paz internacional
Infelizmente, vemos como o Apelo segue atual, já que as sucessivas Conferências de Revisão do Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares fracassaram na resposta à exigência dos povos pela eliminação dessas e outras armas de destruição em massa, detidas pelas chamadas grandes potências, enquanto a ameaça de guerra intensifica-se novamente.
É claro que a dinâmica internacional viria a exigir nossa constante avaliação dos momentos que atravessamos, com o desenvolvimento de novas tecnologias e políticas militares pelo imperialismo, que expandia seus tentáculos pelo mundo. Como ficou claro, o fim da Segunda Guerra Mundial apenas inaugurara outro tipo de guerra, com focos específicos que, mesmo que aparentemente separados, integravam uma esfera de violência de caráter globalizado.
O papel dos trabalhadores e dos intelectuais progressistas foi central no impulsionar da mobilização das forças amantes da paz, como demonstraram o congresso de Varsóvia, em 6 de agosto de 1948, e os congressos simultâneos de Praga e Paris, em 20 de abril de 1949. Já naquele momento, as tentativas dos imperialistas de minar a unidade entre as forças da paz ficaram patentes, com o esforço para impedir o encontro em Paris e, no ano seguinte, em Sheffield, no Reino Unido.
A constituição do Conselho Mundial da Paz e a eleição do seu primeiro presidente, o físico, prêmio Nobel, Frédéric Joliot-Curie, foi um momento glorioso em nossa história, impulsionando o fortalecimento de movimentos nacionais em defesa da paz em todo o mundo, ainda que enfrentassem a repressão brutal de governos e forças aliadas ao imperialismo.
Mesmo enfrentando perseguições, o CMP dedicou-se com afinco à luta dos povos pela libertação nacional, contra o colonialismo, o imperialismo, e os fautores da guerra e da brutal exploração dos trabalhadores. Mobilizamo-nos com determinação para denunciar a máquina de guerra do imperialismo, a disseminação de bases militares pelo mundo, a persistência da ameaça nuclear e as constantes agressões, invasões, intervenções militares e guerras que alimentam o iníquo sistema mundial, agravado nos períodos de crise sistêmica, como a que experimentamos novamente.
Frédéric Joliot-Curie
Neste momento, enfatizamos a conexão indissociável da guerra com a exploração dos povos em seus próprios países. Os ataques reiterados a conquistas sociais e aos direitos dos trabalhadores não se dissociam das invasões e agressões contra povos dos diferentes cantos do mundo. O controle de territórios de elevada importância geoestratégica, seja por suas fontes de recursos energéticos e naturais, seja pelas rotas marítimas e terrestres para o mercado global, é a motivação do imperialismo para a guerra, direta ou indiretamente.
Além disso, as experiências bem-sucedidas no processo de construção de alternativas progressistas ou os governos e povos que resistem contra a imposição da agenda neoliberal e imperialista são alvos centrais da expansão das grandes potências. A ameaça àqueles que resistem faz parte da política do imperialismo, usando da distorção e da manipulação calculista das bandeiras de luta dos povos, principalmente a dos direitos humanos, do meio ambiente, da democracia, da liberdade e a do combate ao terrorismo.
O CMP opôs-se de forma determinada aos criminosos bombardeios contra a Iugoslávia, às invasões do Afeganistão e do Iraque, às tentativas de golpe na América Latina e Caribe e aos golpes e regimes ditatoriais sustentados pelo imperialismo, assim como à imposição de regimes racistas e belicistas como o israelense, sobre os territórios ocupados da Palestina, e à ocupação do Saara Ocidental pelo Reino do Marrocos. Opomo-nos e denunciamos sistematicamente o neocolonialismo na África, que se utiliza de disputas locais e diferenças étnicas para a imposição dos conflitos desestabilizadores e fragmentadores, como ocorre na Líbia e em outras regiões: na Síria, no Iraque, no Iêmen, na Ucrânia e na Venezuela.
Enfrentamos grandes desafios na mobilização e no fortalecimento das nossas ações. Buscamos ampliar nossas forças e a unidade em torno das bandeiras comuns na luta pela paz. Esta visão compartilhada impõe-se como prioridade elevada num período em que observamos um sistema de exploração, visivelmente fracassado, agonizar agressivamente diante desta evidência, com uma crise prolongada que, mais uma vez, impõe imenso retrocesso e sofrimento aos povos.
A contínua expansão da OTAN e a revisão dos seus “conceitos estratégicos” representam uma das maiores ameaças
à paz e aos povos, sujeitos às agressões imperialistas e ao acosso belicista, com crescentes gastos militares inclusive
em períodos de crise econômica
A agressividade com que o imperialismo reage à sua decadência é notável e demonstra a premência do fortalecimento e ampliação da nossa luta. Conhecemos o extenso aparato ideológico-midiático que sustenta um modelo falido e emoldura a chamada “ordem mundial”, ditada pelo imperialismo. Por isso, temos consciência sobre os desafios que enfrentamos no sentido de construir a alternativa em que os povos sejam realmente soberanos e exerçam de fato o seu direito à autodeterminação, sobretudo com vistas a uma vida digna e livre da exploração.
Os retrocessos são hoje multidimensionais e retomam empreitadas que impulsionaram o próprio nascimento do CMP, há mais de 65 anos. Em pleno século 21, somos confrontados com ideias que muitos poderiam acreditar superadas, como é o próprio ressurgir do fascismo e a intensificação das investidas contra as forças que se opõem à exploração e opressão dos trabalhadores e dos povos, do obscurantismo, e a imposição de ideias e comportamentos retrógrados vicejam nesta quadra em que o sistema entra em declínio irreversível, embora relativo. Além disso, a militarização do planeta e a “modernização” da ameaça belicista contra todos os povos do mundo impõe-nos novos desafios para identificar e denunciar a política imperialista, que conta com uma poderosa máquina de propaganda e com ligações cada vez mais dissimuladas ao mundo da política institucional, além da própria relação intrínseca com o capital que rege as nossas vidas. Não é à toa que, há muito, já se cunhou o termo “complexo militar-industrial” para expressar a relação intrínseca entre a expansão capitalista imperialista e a guerra.
Por isso, o CMP esforça-se e deve continuar se esforçando por identificar com firmeza o momento da história, atento para as novas ameaças aos povos do mundo e determinado na ação conjunta contra as guerras e a opressão. Uma coleção memorável de ações conforma a nossa trajetória de resistência e luta pela paz.
Devemos seguir trabalhando, incansavelmente, pelo fortalecimento dos nossos movimentos de solidariedade entre os povos, ampliando nossas bases e investindo na nossa unidade. Como enfatizamos reiteradamente, o imperialismo não é invencível e, juntos, os povos podem vencê-lo.
Socorro Gomes
Presidenta do CMP e do Cebrapaz