Centenas de delegados de movimentos sociais de mais de 40 países – inclusive cerca de 100 estadunidenses – participaram do IV Seminário Internacional pela Paz e pela Abolição das Bases Militares Estrangeiras, em Guantánamo, Cuba, entre 22 e 25 de novembro. O Conselho Mundial da Paz foi um dos organizadores do evento, realizado pelo Movimento Cubano pela Paz e a Soberania dos Povos (MovPaz) e outros movimentos cubanos.
(Foto: Cuba Debate)
As bases militares estrangeiras foram condenadas pelos participantes como expressões de uma política agressiva e imperialista assente na ameaça e na violação da soberania nacional e dos povos, que se enquadra na crescente militarização do planeta.
Leia o discurso da presidenta do Conselho Mundial da Paz, Socorro Gomes, no seminário, que acontece após a reunião do Comitê Executivo do CMP na mesma localidade.
BASES MILITARES ESTRANGEIRAS: AMEAÇA À PAZ!
Companheiros e companheias:
Antes de tudo, saúdo a todos pelo grande esforço e determinação por chegarem até Guantánamo. Agradeço em meu nome e em nome do Conselho Mundial da Paz particularmente aos companheiros do MovPaz, na pessoa do amigo Silvio Platero, e estendo meus agradecimentos ao ICAP, aos comunicadores sociais de Cuba e, muito especialmente, às autoridades e ao povo guantanamero por esta exitosa reunião.
Após dois anos de nosso último encontro, aqui estamos novamente nesta trincheira anti-imperialista para analisar, refletir e preparar novas ações contra as bases militares estrangeiras em países soberanos, instrumentos dos Estados Unidos e de seus aliados para ameaçar, agredir e aterrorizar os povos na tentativa vã de barrar o progresso social e a autodeterminação.
Nesta oportunidade, expressamos nossa alegria pelos recentes êxitos do povo cubano na consolidação de seu caminho socialista. Menciono o retorno dos 5 heróis como uma vitória da justiça contra a vilania e a ignomínia do ódio imperialista contra a nação cubana e seus patriotas. A chegada de Antonio Guerrero, Rene Gonzales, Ramon Labaniño, Fernando Gonzales e Gerardo Hernandes foi motivo de júbilo para todos aqueles que se mobilizaram em anos e anos de campanhas por suae libertação.
Outro importante acontecimento foi o reconhecido fracasso da política de intimidação e isolamento de Cuba, expresso nas palavras do próprio presidente Obama na ocasião do anúnico da reabertura de ambas embaixadas, o que abre um novo capítulo na relação entre os dois países.
O desafio que ainda se coloca é o fim do criminoso bloqueio econômico, que trouxe incalculáveis prejuízos e sacrifícios à vida do povo cubano. Como o próprio presidente Raul Castro afirmou, tal prejuízo ultrapassa a casa do US$ 1 trilhão.
Companheiros e companheiras,
Com a instalação da base militar dos Estados Unidos em Guantánamo em 1903 e a imposição da emenda Platt, o império impulsionou sua política de dominação sobre a América Latina, estendida para todo o mundo. Faz parte dela a crescente militarização no continente.
Esta política varreu as democracias nascentes e implantou através de golpes as ditaduras militares e o terrorismo de Estado ao longo do século passado em nosso continente. Instrumentos dessa política foram, coordenados pela CIA, o TIAR (tratado de ajuda militar recíproca), seguido de outros instrumentos, como a Escola das Américas e a Operação Condor, responsáveis pelas torturas e assassinatos de milhares e milhares de patriotas e revolucionários de nossos países.
Conceitos como “América para os americanos”, “panamericanismo”, “Aliança para o Progresso”, “segurança cooperativa” e “promoção da democracia” têm servido ao controle militar da América Latina, à intimidação dos governos e ao saque dos recursos naturais, notadamente o petróleo e outras fontes energéticas.
A crescente militarização do território, com a implantação de dezenas de bases militares espalhadas por diversos países latino-americanos e caribenhos, objetiva cercar e saquear as reservas de água, de biodiversidade, de gás e petróleo.
Neste contexto enquadra-se a instalação de novas bases militares e a abertura de outras bases operativas avançadas (FOL) na América Central, no mar do Caribe e na América do Sul, e desde de 2008 a reativação da Quarta Frota da Marinha de Guerra dos Estados Unidos no Atlântico Sul. E isto acontece após a descoberta das reservas brasileiras de petróleo na camada pré-sal. A toda essa investida soma-se a mudança da doutrina da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), segundo seu novo “conceito estratégico”, para ampliar seu escopo para todo o mundo, com a inclusão de novos pretextos para “justificar” agressões e intervenções.
São poucos os países na América do Sul e Central que podem se dizer livres da presença militar estrangeira instalada em seus territórios. Além dos adidos militares dos EUA presentes em todos os países – no mínimo um em cada – há bases estrangeiras nas Malvinas ocupadas (da OTAN), na Colombia (dos EUA, inclusive em região fronteiriça com o Brasil), no Chile, na Guiana Francesa (da França), na Guiana, no Paraguai (inclusive na região da tríplice fronteira), em Perú (que diferentes pesquisadores classificam de uma ‘plataforma militar multiuso ao serviço dos EUA’), em Antigua e Barbuda, Bahamas, Belize, Costa Rica, Guantánamo, El Salvador, Granada, Guadalupe, Honduras, Jamaica e Martinica (da OTAN), México, Panamá, Porto Rico, República Dominicana, entre outras. Segundo o pesquisador Atílio Borón, há 76 bases militares estadunidenses instaladas na América Latina e no Caribe.
Algumas das instalações militares citadas evidenciam também o aguçado interesse do império na nossa Amazônia, rica em recursos naturais tão caros à humanidade e aos povos da região.
Os EUA buscam fazer retroceder o cenário político na América Latina à situação de seu “quintal”, com países alinhados aos seus desmandos e submissos à sua agenda. Outro exemplo desta empreitada institucionalizada é a Aliança do Pacífico, uma invenção dos EUA para debilitar os esforços de integração regional. No momento em que comemoramos os 10 anos de rechaço retumbante dos povos ao projeto da ALCA, a Aliança do Pacífico almeja substituí-lo, com um forte componente militar.
Segundo Borón, o Perú é o país que tem mais bases militares estadunidenses no continente (nove) e o único que autorizou a Quarta Frota dos EUA a usar três portos para reabastecimento. Na Colômbia, por sua vez, há sete bases militares dos EUA, que também têm direito a usar todas as outras. O pesquisador aponta, assim, que o país mais rodeado é o Brasil, cercado por 25 bases militares nos países vizinhos, inclusive as do Reino Unido, mas usadas pelos EUA, nas Ilhas Ascensión e Malvinas (que cercam o Pré-Sal).
Além das bases em todos os países mencionados, os EUA também recuperaram uma em Honduras após o golpe de Estado contra o presidente Manuel Zelaya, em junho de 2009. Ainda, em 2010, a Costa Rica autorizou a entrada de sete mil fuzileiros estadunidenses para realizar manobras militares.
A base naval estadunidense implantada em Guantánamo deve seguir sob o foco das nossas denúncias mais contundentes. Não bastasse a usurpação do território cubano para a manutenção de uma estrutura de ameaça permanente contra os povos da região, os EUA ainda usam a instalação como um centro de torturas, no eclodir da sua hipócrita “guerra contra o terror”, após os nefastos ataques de 11 de setembro. Outorgam-se o direito de encarcerar seres humanos especialmente, do Oriente Médio, transportados a Guantánamo de forma criminosa, após serem sequestrados, para enfrentar períodos de tortura cruel já denunciada amplamente, representando a verdadeira barbárie do comportamento desumano.
Apesar das promessas do presidente Obama sobre o encerramento deste centro de torturas, o ano de 2015 ainda se iniciou com 122 seres humanos ali detidos, muitos há mais de 10 anos, sem qualquer procedimento jurídico, sujeitos a tratamento cruel frequente, como imagens brutais nos mostraram, para a vergonha da humanidade.
Companheiros e companheiras,
A inauguração da atuação da OTAN teve como alvo conter o socialismo vitorioso com a revolução na URSS. Esta máquina de destruição e guerras vem expandindo não apenas sua gama de ações como também sua área de intervenção para o restante do globo, e sua lista de crimes contra os povos é gigantesca. Conta para agredir nações e povos, inclusive, com o arsenal nuclear dos seus membros, para manter seu papel de algoz da humanidade.
Ganhou espaço e expressão onipresente a chamada “guerra contra o terror”, que também proporcionou ao mundo os piores crimes contra a humanidade da história recente, dos quais ainda temos apenas pistas. Isso se deve ao fato de o direito internacional e o julgamento, a responsabilização pelos crimes, nunca serem aplicados ao império.
Em seu relatório para o período de 1990 a 2010, a OTAN indicava um aumento no gasto militar dos membros europeus de US$ 89 bilhões, passando de US$ 186,2 bilhões, em 1990, para US$ 275,3 bilhões em 2010. No mesmo período, os EUA, sozinhos, passaram de um gasto de US$ 306 bilhões, em 1990, para US$ 785,8 bilhões em 2010, o que somava 5,1% do seu Produto Interno Bruto (PIB). No total, neste período, os membros da OTAN, em conjunto, passaram de um gasto de US$ 504 bilhões, em 1990, para US$ 1,1 trilhão em 2010, um total de 3,3% do PIB dos membros somados.
Já em 2014, de acordo com o Instituto Internacional de Estocolmo de Pesquisa para a Paz (Sipri), o mundo gastou quase US$ 1,8 trilhão no setor militar – e US$ 610 bilhões foram gastos apenas pelos Estados Unidos. É uma quantia ainda exorbitante, apesar da tendência moderada de redução, sobretudo devido aos efeitos da crise econômica internacional. Ou seja, os EUA são responsáveis por 34% do gasto militar global, quase o triplo da quantia destinada pelo segundo país que investe no setor, a China, com 12% do gasto mundial. Já entre os membros da OTAN, em 2006 foi decidido que 2% do PIB de cada país seria destinado ao setor militar – com ao menos quatro deles ultrapassando o mínimo em 2014, quando os membros europeus da organização gastaram cerca de US$ 250 bilhões.
Os povos resistem e lutam com toda sua força por soberania e progresso social. É grande o esforço e o empenho das forças progressistas e dos movimentos sociais na América Latina e no Caribe – um empenho entretanto ameaçado por novas articulações golpistas pró-império – no sentido de afirmar e fortalecer nossa soberania e a integração regional vital neste processo. Exemplo e expressão desta determinação está na declaração da América Latina e Caribe como Zona de Paz emitida pela CELAC, pelo comandante Raul Castro Ruiz, presidente de Cuba. Integram esta determinação a construção do Conselho de Defesa do Sul e outras iniciativas de integração regional na área de defesa, na cultural e na política.
No mesmo sentido, o Conselho Mundial da Paz acompanha, solidário e com esperança, o processo de paz entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Este conflito de mais de cinco décadas é o grande flagelo do povo colombiano, sujeito à repressão sanguinária da elite aliada ao império, sobretudo no campo, e é também um portão de entrada para a ingerência estadunidense em nosso continente. Como afirmamos em diversas e importantes ocasiões – por exemplo, no II Fórum pela Paz da Colômbia, no Uruguai – a paz da Colômbia é a paz da América Latina.
Por isso, queridos companheiros e companheiras, para o Conselho Mundial da Paz, as bases militares estrangeiras seguem sendo centrais em nossa denúncia cotidiana do imperialismo e do ataque criminoso às soberanias nacionais. A aliança das elites reacionárias com o império, ainda que representadas no governo, não pode legitimar esta forma de chantagem e ameaça à qual cada vez mais povos do mundo estão submetidos. Exigimos a abolição das bases militares estrangeiras como expressões centrais de uma ordem internacional de dominação e ameaça, instrumentos de intimidação e terror permanentes.
Exigimos a devolução do território de Guantánamo ao povo cubano, denunciando o usurpador, os Estados Unidos, e sua presença forçada em Cuba. Esta política repugnante de ingerência deve seguir sendo alvo central das nossas denúncias e ações conjuntas, em nossa luta diária contra o império criminoso e brutal da força das armas. A militarização do mundo e da América Latina é um ataque frontal à vontade dos povos, e lutaremos unidos pela efetivação desta como uma Zona de Paz!
O Terror não deterá a luta dos povos por um mundo de justiça e paz, livre das guerras e da opressão!
O imperialismo não é invencível e será derrotado!
Pelo desmantelamento da OTAN!
Pelo encerramento da base de Guantánamo e a devolução do território aos seus legítimos donos: o povo cubano!
Viva a paz e a amizade entre os povos!
Socorro Gomes
Presidenta do Conselho Mundial da Paz
Guantánamo, 23 de novembro 2015
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