Palestina repudia política de Trump, apela à comunidade internacional e planeja suspender acordos com Israel

O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP) Mahmoud Abbas declarou morto o chamado processo de paz de Oslo, expressando repúdio à posição do presidente estadunidense Donald Trump. No domingo (14), Abbas afirmou que as ações perpetradas por Israel mataram o processo lançado no início da década de 1990 e que até hoje não surtiu frutos para o fim da ocupação da Palestina. Na segunda-feira (15), o Conselho Central Palestino referendou a declaração e pediu a suspensão do reconhecimento de Israel pela Palestina, entre outras resoluções pelo fortalecimento nacional e a libertação da Palestina. Leia a declaração do órgão abaixo.

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De acordo com a mídia palestina e a israelense, o presidente Abbas disse, no domingo, que “hoje é o dia em que os Acordos de Oslo terminam. Israel os matou. Somos uma Autoridade sem autoridade, e [sob] uma ocupação [que segue] sem qualquer penalidade. Trump ameaça cortar o financiamento da Autoridade porque as negociações fracassaram. Quando raios é que as negociações começaram?!”

O presidente refere-se aos principais acordos em que se assentam o chamado processo de paz de Oslo, assinados a partir de 1993 como acordos temporários – criando inclusive a ANP, como um órgão de autogoverno transitório, e dividindo os territórios palestinos ocupados em diferentes regiões de controle (A, sob controle palestino, B sob administração civil palestina e controle militar israelense, e C, a maior porção, sob controle militar completo de Israel).

President Mahmoud Abbas speaking at the Palestinian Central Council, January 14, 2018.
Presidente Abbas na reunião do Conselho Central, 14 de janeiro de 2018. Foto: Mohamad Torokman / Reuters

Os acordos deveriam ser concluídos poucos anos depois para darem lugar a um acordo final, mas seguiam oficiosamente em vigor. Entretanto, as violações dos acordos por parte de Israel são inúmeras e têm sido amplamente denunciadas pelo povo palestino em diversas instâncias — inclusive o Tribunal Penal Internacional –, pelo movimento internacional de solidariedade e por entidades internacionais como a própria ONU.

A impunidade pelas violações e a falta de avanço do processo de paz são creditadas ao monopólio estadunidense da mediação de quaisquer tentativas de diálogo, sempre pautadas para benefício de Israel – como é caso da prioridade absoluta dadas às “preocupações securitárias” israelenses pelos sucessivos mediadores dos EUA.

Em apoio a Abbas, o Conselho Central da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) emitiu declaração nesta segunda-feira (15) segundo a qual o período transicional acordado já terminou. (Leia aqui, em inglês, ou a tradução do Cebrapaz, abaixo).

Segundo a agência palestina de notícias Wafa, o órgão insta a comunidade internacional a arcar com suas responsabilidades com base nas resoluções da ONU para encerrar a ocupação israelense e permitir que o Estado da Palestina alcance sua independência e exerça soberania completa sobre o seu território, incluindo Jerusalém Oriental como sua capital, nas fronteiras de 4 de junho de 1967 — data em que Israel invadiu e ocupou militarmente o restante território palestino.

O órgão recomenda ao Comitê Executivo da OLP revogar o reconhecimento do Estado de Israel até que este reconheça o Estado da Palestina nas fronteiras referidas e reverta a decisão de anexar Jerusalém Oriental e expandir as colônias em território palestino. A suspensão do reconhecimento de Israel deverá incluir as consequências diplomáticas. Também reforça a decisão de encerrar a coordenação securitária palestina com Israel em todas as suas formas e a libertar-se da dependência econômica estabelecida pelo Acordo Econômico de Paris, para alcançar a independência da economia nacional.

O Conselho ainda afirmou a determinação do povo palestino a resistir “por todos os meios possíveis para derrubar a ocupação e o regime de apartheid israelense” e rejeitou quaisquer sugestões de soluções interinas, inclusive um Estado com fronteiras temporárias, assim como o reconhecimento de Israel como Estado judeu.

Fim do monopólio estadunidense 

Para o presidente Abbas, “quaisquer negociações futuras devem ser realizadas apenas dentro do contexto da comunidade internacional, por um comitê internacional criado no quadro de uma conferência internacional. Deixem-me ser claro: Não aceitaremos a liderança dos EUA de um processo político envolvendo negociações.”

Marcha em Tel Aviv pedia diálogo entre Israel e Palestina, em 2015, no 20º aniversário do assassinato do ex-premiê israelense Yitzhak Rabin por um israelense contrário ao processo de Oslo. Foto: AFP 2018/ Jack Guez

“O embaixador dos EUA a Israel, David Friedman, é um colono que se opõe ao termo ocupação. Ele é um ser humano ofensivo e não vou mais concordar em me reunir com ele,” afirmou Abbas. O mesmo disse sobre a embaixadora estadunidense para a ONU, Nikki Haley, que “ameaça agredir as pessoas que ferirem Israel com o salto do seu sapato, e nós responderemos da mesma forma.” O último período de conversações entre Israel e Palestina, mediado pelos EUA, deu-se entre 2013 e 2014, sem resultados, findo pouco antes da ofensiva israelense contra Gaza que matou mais de 2.200 palestinos.

A situação na Palestina ocupada tem se agravado ao longo dos anos desde a assinatura dos Acordos de Oslo, com a expansão das colônias ilegais israelenses em território palestino, as aberrantes violações dos direitos humanos e os crimes de guerra perpetrados pelos oficiais da ocupação, a prisão massiva de palestinos e palestinas – inclusive centenas de crianças –, as execuções extrajudiciais, o deslocamento forçado, a demolição de casas, as centenas de postos de controle militar, entre tantas outras políticas cotidianas de opressão.

Desde que assumiu o governo nos EUA, Trump também reforçou o compromisso do país com seu aliado, Israel. Em 2017, seu governo encerrou o escritório da OLP em Washington e reconheceu Jerusalém como a capital israelense, apesar da posição internacional de partilha da cidade histórica entre palestinos e israelenses. A embaixadora dos EUA na ONU ainda chegou a ameaçar os países que contestassem a posição arbitrária do seu país e já vinha atacando instituições como o Conselho de Direitos Humanos por acompanhar e denunciar as políticas da ocupação israelense.

Por Moara Crivelente, Cebrapaz