A emersão da ciência nas manchetes da mídia, lugar geralmente cativo da política internacional, é apenas uma das consequências da pandemia de Covid-19 engolfando o mundo. Uma recente declaração, entretanto, do presidente dos Estados Unidos, sugerindo que o financiamento à Organização Mundial da Saúde (OMS) estaria em risco, oferece uma bem-vinda mudança à narrativa midiática, especialmente para aqueles em quarentena em casa que escolheram se dedicar ao direito e não à medicina.
Por Wesam Ahmad*, na página da entidade palestina Al-Haq
Embora a questão das ameaças estadunidenses ao financiamento de um organismo internacional possa ter parecido extraordinário para muitos na audiência, para palestinos houve uma breve sensação de retorno à normalidade. Afinal, as ameaças estadunidenses a organismos internacionais, financeiros ou outros, não são novidade para os palestinos. Desde a UNESCO até o Conselho de Direitos Humanos da ONU, ao Tribunal Penal Internacional, os EUA têm repetidamente usado sua vantagem para tentar inocular Israel contra críticas ou responsabilização dentro das instituições internacionais que deveriam preservar a integridade e o funcionamento saudável do sistema internacional.
Diferente de momentos anteriores, entretanto, essa ameaça não envolveu os empenhos palestinos, mas as percepções estadunidenses de que a OMS é enviesada a favor da China. Independentemente da visão da perspectiva dos EUA, a retórica da vantagem e das consequências direcionada à OMS ajudou a iluminar a fraqueza estrutural do sistema internacional. Como as experiências palestinas com os toques de recolher, cerco e vigilância, a pandemia também deu uma ideia da experiência palestina envolvendo o direito internacional e as instituições internacionais dentro do sistema internacional.

Entretanto, as diferenças entre o conflito localizado envolvendo dois sistemas sociais e aquele de uma pandemia envolvendo a natureza e a humanidade são muitas; as semelhanças a nível de sistema não podem ser ignoradas. Da mesma forma que uma família não aderindo à ordem de quarentena pode impactar uma comunidade inteira, o desprezo de um estado pelo direito internacional pode impactar a comunidade internacional inteira. É a habilidade da comunidade de efetivamente garantir adesão às normas vigentes que determinam, a longo prazo, a saúde e a viabilidade de toda a comunidade e de suas partes constituintes.
Outro resultado indireto da pandemia é a emersão dos problemas sistêmicos ao nível da consciência geral, assim como a curiosidade inquisitiva para entender as causas por trás da perpetuação daqueles problemas, e como eles podem ser abordados. Se o vírus é ou não uma causa ou consequência certamente dependerá da percepção de quem observa. No contexto dessa pandemia, o vírus é chamado Covid-19 [novo coronavírus]. No contexto do direito internacional e do sistema internacional, o vírus pode ser o novo imperialismo. Entretanto, ao invés de simplesmente ser biologicamente movido por um empenho instintivo de sobrevivência e reprodução, o imperialismo é psicologicamente movido por uma consciente busca por poder, riqueza e status.
Com muito do foco da humanidade sobre a busca por uma cura à Covid-19, as oportunidades para a pesquisa e a reflexão que o isolamento trazem, para melhor compreendermos os problemas dentro do sistema internacional e buscar soluções que possam ao menos melhor regular o imperialismo, se não suprimi-lo, não devem ser desperdiçadas.
Infelizmente, porém, o maior desafio para a humanidade está no caso do imperialismo; porque abordá-lo requer a busca por tal empenho com a compreensão de que uma cura 100% eficaz nunca será encontrada e, enquanto existam seres humanos, nunca será completamente erradicado.
*Wesam Ahmad dirige a seção de pesquisa jurídica da entidade palestina Al-Haq de defesa dos direitos humanos, que tem status consultivo do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da ONU.
Fonte: Al-Haq
Tradução: Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz)