O Dia pela Dignidade das Vítimas do Genocídio contra a União Patriótica foi marcado em Bogotá com uma grande marcha e mesas de debate, realizados pela organização Reiniciar, sobre o conflito na Colômbia, seus impactos para a América Latina e os rumos do processo de paz. Socorro Gomes, presidenta do Cebrapaz e do Conselho Mundial da Paz (CMP), participou com balanços do conflito, dos diálogos e da luta por justiça, denunciando a influência do imperialismo estadunidense no respaldo às elites oligárquicas e a militarização de todo o continente. Veja a primeira das apresentações de Socorro:
Conferência: “O que significa a Paz na Colômbia para América Latina”
Queridos e queridas camaradas;
Neste evento em que marcamos a luta pela Dignidade das Vítimas do Genocídio contra a União Patriótica e que reafirmamos a defesa do direito à verdade, à justiça e à reparação, a luta pela paz democrática e anti-imperialista é evidente, atual e premente em toda a América Latina.
Os defensores dos direitos humanos continuam enfrentando desafios gravíssimos na promoção e na realização do seu trabalho. Organizações como Reiniciar continuam denunciando as sistemáticas ameaças sofridas por esses líderes como uma estratégia de desestabilização dos esforços de construção da paz. Neste contexto a luta pela memória e pela justiça e pela verdade é fundamental para pôr fim à impunidade e favorecer um debate amplo, para a prevenção da violência.
Na Colômbia, já houve antes promissoras tentativas de paz, é verdade, mas elas foram atacadas e minadas, como na década de 1980, durante o governo Belisario Betancur: A elite oligárquica, atuando em sintonia subalterna com o imperialismo estadunidense, não aceitaria a perda dos seus privilégios, nem o império abriria mão do controle hegemônico da região, imensamente rica em recursos naturais, ou do seu brutal poder de ingerência. Com este objetivo, a violência foi institucionalizada, a nação colombiana foi submetida à mais longa ditadura das armas, do terrorismo de Estado e de facínoras paramilitares do continente, sob o controle direto do imperialismo norte-americano.
A militarização foi o plano central dos sucessivos governos controlados pelos Estados Unidos, em nosso continente, sob os falsos pretextos ora do combate ao narcotráfico, ora do combate ao terrorismo. Esta estratégia aprofunda e acirra o conflito armado na Colômbia, subtraindo por largas décadas, especialmente dos colombianos, a esperança de paz e justiça. Os assassinatos políticos, a perseguição sem trégua, a violência contra lideranças de trabalhadores, professores, estudantes e jovens das camadas mais pobres, com os falsos positivos, buscou banir da política os movimentos opositores com raízes populares no país.
Além da defesa dos direitos humanos e da soberania nacional, o evento de que participamos nos lembra da ameaça que ainda enfrentamos na nossa América Latina, a do imperialismo estadunidense, através da sua presença militar disseminada e das suas articulações políticas com a oligarquia em cada país. Sem qualquer dúvida, a Colômbia e o povo colombiano estão entre as maiores vítimas desta política no continente.
A afirmação da América Latina e Caribe como uma região de paz foi um passo crucial e valente na afirmação da nossa luta contra o imperialismo, contra as bases militares e a política de golpes contra o povo latino-americano, historicamente cerceado nos seus direitos civis, políticos e socioeconômicos. Entretanto, o império continua agindo para nos cercar, seja através da sua Quarta Frota, reativada em 2008 – com navios de guerra, caças e submarinos rondando nossos Oceanos, mares e florestas, principalmente a Amazônia – ou das mais de 50 bases militares aéreas e navais ou pontos de controle que servem o mesmo propósito, inclusive da OTAN ou seus membros França e Reino Unido. A todos esses modelos de presença militar os EUA pretensiosamente denominam “Deslocamento Operativo de Segurança” ou “Instalações de Operações Avançadas” (FOL, em inglês), por exemplo. Também fizeram parte da estratégia os 10 mil estadunidenses esparramados em missões militares durante os anos 2000, grandes exercícios de guerra ou treinamentos em centros como a Escola das Américas, onde os oficiais norte-americanos ensinam a oficiais latino-americanos as piores práticas de torturas, assassinatos e demais violações dos direitos humanos.
Entre as apresentações do chamado Comando Sul, a Quarta Frota, está a descrição da sua área de foco, “que inclui a América do Sul, Central e o Caribe, uma região dinâmica em que os EUA têm interesses nacionais vitais.” Por isso, em 2004, o comandante Hugo Chávez tomou a soberana atitude de expulsar da Venezuela as instalações militares que os EUA lá mantiveram por 50 anos e, em 2009, o presidente do Equador Rafael Correa cancelou o acordo segundo o qual a base de Manta também servia aos estadunidenses, proibindo constitucionalmente a instalação de bases militares estrangeiras em território equatoriano.
Também nos governos de Barack Obama houve continuidade da militarização da política externa estadunidense para a América Latina. Através do Plano Colômbia, em 2009, os EUA ganharam acesso a mais sete bases estratégicas apenas no território colombiano. Embora os defensores desse Plano aleguem que ele se direciona à “ajuda” inclusive socioeconômica, ao longo dos anos, a quase totalidade dos recursos enviados pelos EUA ao país foi militar, fortalecendo a máquina da repressão e a brutalidade do terrorismo estatal. Além disso, essa presença militarista dos EUA ameaça os países e a nossa luta por unidade na América Latina, como já ressaltava Chávez.
Na Colômbia, os sucessivos governos da ultradireita provaram que o povo não pode confiar na oligarquia que se agarra ao poder através da exploração e da violência, dos grupos criminosos dos paramilitares, protagonistas das chacinas no campo, e da expulsão de milhares de camponeses de suas terras.
A União Patriótica também é uma representação dos alvos desta violência brutal e disseminada, vítima de um dos maiores e mais concentrados massacres durante mais de duas décadas. As mais de 6.500 vítimas fatais dessa perseguição e os inúmeros militantes ainda desaparecidos são os maiores motivos do empenho valioso e corajoso em defesa da justiça, da verdade e da memória em prol da paz, assim como a continuidade da sua luta pela democracia e pelos direitos do povo colombiano.
Mais uma vez, companheiros, fica plasmada a ingerência imperialista dos Estados Unidos que, enquanto promoveram e promovem golpes nos países em que as forças progressistas fortalecem-se, instigaram e respaldaram a sustentação de grupos paramilitares para combater o processo de paz colombiano que desse ao povo e aos trabalhadores rurais maior espaço e participação no poder nacional.
É necessário destacar ainda a heroica e valorosa saga do povo colombiano, que apesar das perseguições prisões e assassinatos, resistem e lutam por justiça social, pela soberania do seu país e por democracia. Sua insistência levou a processos como o que testemunhamos atualmente, em que as FARCS-EP e o Governo colombiano avançam nos diálogos de Paz, em Havana, construindo acordos sobre pontos importantes e fundamentais da pauta de negociações. Neste sentido, a participação do povo colombiano nos diálogos e na afirmação das suas reivindicações é crucial para a sustentação e o aprofundamento deste processo, para a construção de uma justiça real e de uma paz verdadeira.
No caso da União Patriótica, a perseguição e o massacre são denunciados como genocídio devido à intenção de supressão de um grupo político contestatório e resistente, principalmente através da sua exclusão do cenário “jurídico-legal” e, sobretudo, da “guerra suja” e das “operações encobertas” de que a UP foi alvo, como já denunciado diversas vezes.
Da mesma forma, é fundamental a denúncia incessante dos alicerces dessa política opressora e truculenta, representada, promovida e sustentada pelas oligarquias e pelo imperialismo. A impunidade permanece como uma constante no roteiro de lutas de movimentos populares como a UP, vitimada pela estratégia do extermínio político que, felizmente, não obteve sucesso. Mas o plano de desestabilização contra a transformação do conflito e a luta pela justiça, pela democracia e pela participação política popular mantém sua ameaça à paz.
Neste caminho, a luta anti-imperialista, pela autodeterminação dos povos, pela defesa da soberania nacional livre da ingerência do império, do capitalismo militarista e da violência sistemática e institucionalizada contra a resistência popular deve ser fortalecida, através da solidariedade promovida na nossa América Latina e Caribe.
O trabalho é árduo, continua exigindo valentia na defesa da justiça, da memória, da verdade e da paz, mas o progresso é visível e o seu fortalecimento é exponencial. Não retrocedemos e não nos curvamos diante das ameaças do imperialismo, que atua através dos meios mais sujos e das estratégias mais escabrosas para manter a sua dominação sobre os nossos povos. As oligarquias que o império sustenta e através da qual ele atua não vencerão. A luta pela democracia no campo, nas cidades e no cenário internacional será vitoriosa. A paz será vitoriosa e a justiça será alcançada.
Bogotá, Colômbia, 9 de outubro de 2014
Segunda apresentação: Para além do conflito armado – Colômbia
Terceira apresentação: Experiências Comparativas de Processos de Paz – Colômbia